Prólogo

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Yorkshire, 1793

Estava frio, mais frio do que de costume, no início do outono em que o destino de Lady Francesca Windsor foi decidido. O uísque aquecia a garganta de Hugo Windsor, Conde de Amendale, enquanto ele gargalhava de algum comentário do Conde de Harborough, mas seu riso não era genuíno. Ele não deixava de lançar olhares para o dono do clube, que inclinado sobre o balcão do bar, calculava quanto os dois lordes deviam ao terceiro componente da mesa, ganhador de uma considerável fortuna naquela noite.

O Duque de Crengford, por sua vez, fitava-os com os olhos levemente entrecerrados, observando o velho amigo com especial atenção.

Lorde Amendale notou o escrutínio e engoliu com esforço o que restava de sua bebida. No começo da noite, quando fora convidado para jogar com Crengford e Harborough, um lorde mais velho com quem o jovem Conde de Amendale tivera pouco contato, havia ficado agitado, empolgado até, com a possibilidade de se unir a eles no clube. Naquele momento, entretanto, sob a atenta mirada do Duque de Crengford, pensava em como queria ter tido a presença de espírito necessária para recusar a proposta assim que fora feita.

Foi ingênuo ao acreditar que o duque não sabia de seus problemas financeiros, mas era evidente que o homem, assim como quase toda Yorkshire, havia tomado conhecimento de suas dívidas substanciais.

E aquilo deixava o conde profundamente tenso.

O condado estava em uma situação difícil. Com a desaceleração econômica, a tensão política, uma série de colheitas ruins e seu crescente vício pela jogatina e bebedeira, Amendale tinha consciência de que, se não fosse por seu título e um punhado de posses que o acompanhavam, estaria em uma situação não muito melhor do que a de um terceiro filho pobretão.

Para tornar o cenário ainda mais desesperador, a condessa não fora capaz de gerar um herdeiro apropriado, já que só havia dado à luz uma vez e o parto trouxera, para o tormento do conde, apenas uma menininha ruiva de bochechas rosadas. E como a saúde da lady acabara se revelando frágil, uma nova gestação não era viável.

— Milordes — saudou o inexpressivo dono do clube, dando a cada um deles um pedacinho de papel onde havia registrado suas dívidas para com o duque.

— Reponha nossas bebidas! — ordenou Crengford, notando, com certa satisfação, a careta que Hugo fez ao observar o papel com o tamanho de seu prejuízo. — Por minha conta, claro. Tenho a impressão de que estou muitas libras mais rico.

A mulher que os servia riu para ele, mas os olhos do duque estavam pregados na expressão horrorizada do Conde de Amendale.

Como fui estúpido!, pensava Hugo.

Há meses, ele jogava em uma tentativa falha de ganhar algo com que pudesse se manter, mas tudo que conseguia era ficar ainda mais endividado.

Ao fitar o papel com a quantia substancial que devia ao Duque de Crengford, a certeza de sua tolice se fez clara.

Estava arruinado!

— Vossa Graça... — balbuciou Amendale, ainda contemplando, não sem uma boa dose de pânico, a exorbitante dívida recém-adquirida. — E-eu creio que... Deve compreender q...

Incapaz de concluir seu raciocínio — nem sequer sabia se conseguia, de fato, formular uma resposta coerente —, ele virou o copo de uísque pago pelo duque, ingerindo o álcool sem conseguir apreciá-lo de fato.

Sob o olhar atento de Crengford, ele se deixou cair desajeitadamente sobre a cadeira.

— Vossa Graça, peço sua licença — iniciou Harborough se levantando. — Devo me retirar agora, antes que perca mais da minha herança.

Amendale o assistiu partir com uma careta invejosa. Apesar de um notório bon vivant, o conde mais velho não havia exagerado tanto naquela noite. Na verdade, se Hugo pensasse bem, era no mínimo curioso que Harborough, conhecido por ser um apostador tão ou mais compulsivo que ele, tivesse se contido tanto e que o duque não parecesse nem um pouco preocupado em cobrar-lhe a dívida, aparentando, pelo contrário, desinteresse por qualquer outra pessoa que não o mais jovem dos três.

Se não estivesse tão desesperado, talvez Hugo tivesse notado a estranheza da situação.

— Vossa Graça? — repetiu, quando estavam a sós, sabendo quão temperamental era o amigo e que era melhor assumir a postura servil que sempre o deixava de bom humor. — Preciso dizer...

— Por sua dificuldade em falar, entendo que não verei esse valor em meus cofres tão cedo, Amendale — declarou o duque, seco.

— É uma... quantia substancial, de fato — arriscou dizer, arrancando uma risada sem humor do outro.

— Ah, sei bem disso, meu caro Amendale. E, ainda assim, você apostou esse valor, o que me leva a crer que, se fosse a situação inversa, não hesitaria em me cobrar.

Amendale franziu o cenho, sabendo que era exatamente o que faria.

— Entendo, mas... Deve haver algo, alguma outra forma de quitar minha dívida. Afinal, somos amigos, não somos, Crengford?

O homem empinou ainda mais o nariz, encarando-o de cima como se considerasse sua fala, embora em seu interior só houvesse um sentimento de satisfação por saber que tinha Amendale na palma da mão.

— Como está sua adorável filha, Amendale?

— Ahn... Bem, Vossa Graça — balbuciou, sem saber onde o duque queria chegar. — Forte e saudável, por certo.

Crengford soltou um som de concordância. Bebericando seu uísque, acenou subitamente com a cabeça, como se tomasse uma decisão.

— Aí está. — Ele se empertigou. Seus gestos eram meticulosos, quase ensaiados. — Aceito perdoar toda a sua dívida...

— Ah, meu amigo, muito obrigado! — exclamou o conde, sem querer dar tempo para o duque repensar a decisão.

— Não acabei, Amendale — interrompeu-o rudemente. — Perdoarei sua dívida, se... concordar em assinar um contrato de casamento entre sua criança e meu herdeiro — concluiu, para espanto de Hugo. — Crie-a de forma apropriada para ser a futura Condessa de Plimont e, posteriormente, Duquesa de Crengford, e eu considerarei saldadas as suas dívidas comigo. Não só elas, na verdade... Fornecerei uma quantia generosa o suficiente para quitar todas as demais.

O conde fitou o amigo, piscando, aturdido, enquanto digeria a proposta inesperada e, de certa forma, imperdoavelmente indelicada. Contudo, ele não podia se dar ao luxo de possuir orgulho e, muito menos, escrúpulos. Era a única chance de salvar suas propriedades e, por conseguinte, garantir um futuro digno para sua família. Sua filha se tornaria uma duquesa, afinal. Casamentos arranjados eram feitos o tempo todo!

Estaria fazendo um bem a ela.

O que mais uma mulher poderia querer além de riquezas e um título?

Sem ponderar sobre o que haveria por trás do estranho arranjo, ouviu-se dizer:

— Eu aceito — consentiu, derrotado. — Prepare os papéis.

E assim, na mesa central de um dos maiores clubes de Yorkshire, o destino de Lady Francesca Windsor foi selado.

Os segredos do conde de Plimont (degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora