— Não, não foi isso que quis dizer, eu nunca tive um namorado porque nunca me atrai por ninguém assim, mas acho que não preciso ver a pessoa para amá-la, entende? O amor não necessita de barreiras visuais.

— Então você acha possível amar alguém sem saber como é sua fisionomia?

— Sim, mas cegos conseguem ter uma ideia de como é o outro, o nosso toque nos permite imaginar quase tudo.

— Hum, entendi... Você poderia tocar o meu rosto?

— Por quê?

— Sei lá, para saber se você consegue me imaginar melhor do que alguém sem uma perna haha.

— Hum, ok. — Ergo minha mão e sinto a sua me direcionar. Seu rosto está frio por conta da temperatura ali fora. Passo a mão levemente, sentindo suas feições, tentando imaginar um conjunto completo, as sobrancelhas são grossas, mas não parecem ser descuidadas, seus cílios são longos, consigo senti-los na palma da mão, sinto seu nariz, não parece pequeno, mas também não é grande. Seu rosto tem uma formação meio quadrada, o maxilar é proeminente e ele tem uma barba rala, como se estivesse nascendo depois de já ter sido feita. Tudo o que consigo imaginar me faz pensar em um homem bonito, passo de seu queixo para sua boca, está quente, ele tem lábios cheios, meus dedos param ali por um momento, sentindo o calor que emana de sua respiração...

Meus pensamentos voam, ele me lembra um personagem do meu livro favorito, começo a imaginar demais e só então percebo que ainda estou com a mão em sua boca, puxo ela de volta e sinto meu rosto esquentar.

— Desculpa, acho que fiquei tempo demais tocando seu rosto.

— Eu não me importo, na verdade gostei, mas então conseguiu me imaginar?

— Um pouco, você me lembra o Uriah — Digo envergonhada por assumir isso.

— Quem?

— Você nunca leu Divergente?

— Acho que não, é bom?

— Simplesmente a melhor história que já inventaram, meu único pesar é nunca poder ter visto os filmes.

— Tem filme? Ok, prometo que irei assistir hoje a noite, assim terei assuntos para conversar com você.

— Ah, a gente vai conversar mais...

— Tudo bem se você não quiser, claro, deve ser estranho conhecer alguém na véspera de Natal e descobrir que essa pessoa fica te stalkeando por aí hahaha.

— Não é isso, é que achei que você só tinha sentado aqui porque me viu sozinha.

— Na verdade eu vi você sair, então resolvi tomar coragem e vim aqui também.

— Você é estranho.

— Algumas coisas nos fazem fazer loucuras, até mesmo sair na rua com uma perna de metal no meio da neve...

Não consigo imaginar o que teria feito ele vir até mim, mas fico feliz que tenha vindo. Não consigo controlar meus pensamentos agora que posso imaginar o garoto de 17 anos na minha frente.

— Posso fazer um pedido estranho?

— Sinta-se a vontade, madame.

— Eu posso tocar seu rosto novamente?

Ouço ele dar uma risada baixinha e então sua mão pega a minha, novamente estou tocando seus traços e, novamente, paro em sua boca, sua respiração entrecortada, minha mente diz que eu deveria beijar ele, mas prefiro evitar qualquer movimento que possa levar a isso, e se ele não gostar de mim? E se ele só está aqui por pena, como todo mundo? E se ele na verdade só quer ser meu amigo? Mordo o lábio inferior com a imagem de nós dois se beijando, mas começo a tirar minha mão de seu rosto, isso provavelmente já está ficando desconfortável.

Antes que minha mão volte para o meu bolso, ele a segura.

— Minha vez de fazer um pedido estranho.

— Ah... Pode pedir, eu acho.

— Você me acha um cara legal ou atraente de acordo com o que consegue me imaginar?

— Quê?

— Eu preciso confessar, na verdade eu fico cuidando você em todos os lugares porque fico tentando descobrir um jeito de te chamar pra sair, mas sempre tive medo de fazer isso da forma errada e nunca pareceu o momento certo, pois você sempre está com seus pais ou com sua irmã...

— Você quer sair comigo? Por quê?

— Eu não sei bem o porquê disso, parece algo natural para mim.

— Porque ambos temos uma deficiência...

— Não, não, eu gosto de você antes do meu acidente, gosto do jeito que não deixa ninguém diminuir sua capacidade na escola só porque é cega, gosto de ver que você lutou contra tudo sempre e não se deixou abater por isso, você me inspira.

— Eu realmente não sei o que dizer — Respondo totalmente sem jeito. Nunca me pareceu possível alguém me notar de uma forma que não envolvesse pena.

— Apenas me diga se eu tenho alguma chance de ser seu Uriah.

— Eu não sei, Noah, eu não conheço muito sobre você.

— Eu conheço tudo sobre você, sei o quanto gosta da neve, como o som dos pássaros e do oceano lhe fazem sorrir, sei que gosta de coisas que envolvem pinguins, que nunca faz compras sozinha e sei que o que sinto por você pode se chamar de amor.

Meu estômago está revirando, como se mil borboletas voassem dentro dele, ele sabe mais de mim que minha irmã, não sei o que fazer e fico paralisada naquele momento ouvindo suas últimas palavras repetidamente na minha cabeça.

— Eu acho que conheço algo sobre os pinguins que você não conhece — Diz ele, quebrando o silêncio entre nós.

— O quê?

— Os pinguins são animais que escolhem quem será seu companheiro para o resto da vida, formam casais que em geral ficam juntos até o fim.

— Não sabia disso.

— Sara, imagine que os humanos são pinguins, eu posso tentar te conquistar como minha companheira pelo resto da vida? Prometo fazer o impossível para isso acontecer.

Minha imaginação sobre os beijos já não tem mais controle, tudo parece acontecer muito rápido, mas ao mesmo tempo parece estar acontecendo em câmera lenta. Dou um passo em sua direção, minha mão treme um pouco pelo nervosismo e ele a segura com delicadeza, sinto sua outra mão em meus cabelos e isso basta para não me fazer mais pensar, permito que ele se aproxime, seus lábios quentes tocam os meus e meu primeiro beijo acontece exatamente como nos contos de fadas, com a neve começando a cair e tudo o mais.

Talvez ser um pinguim no meio das garças não seja algo assim tão ruim.

Natal Para CegosWhere stories live. Discover now