2.1. o verão

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Veja bem, Sky Hunter não é o tipo ideal de todos os pais — especialmente dos meus.

Ela era toda errada. O tipo de pessoa que servia como exemplo do que não ser. E eu rapidamente percebi isso na nossa primeira conversa. Tudo ali era inapropriado: o local, a situação, ela.

— Você é jovem demais para estar aqui. — Foram suas primeiras palavras direcionadas a mim enquanto atrás do balcão servia de barman.

— E você é jovem demais para trabalhar como infiltrada da polícia.

Um sorriso malicioso alonga seus lábios rubros.

Touché. — Ignorando-me completamente ela começa a preparar um drinque, o qual logo em seguida é posto diante de mim. — E você não é tão velha para ficar sem beber em um bar.

Olhando para a bebida como se um inseto tivesse me sido oferecido e recuando no banco, recuso a oferta.

— Eu não vim aqui para isso.

Ela me devolve uma gargalhada de puro sarcasmo.

— Então você veio para quê? Clube do livro? — Encara com escárnio minha camiseta “written by Stephen King”.

Meus olhos se apertam criando um vinco entre minha sobrancelhas enquanto a encaro pasma. Ninguém falava comigo com desprezo, ironia ou qualquer coisa do tipo, nunca. Principalmente quando era direcionado às minhas nerdices. Em casa, eu era a futura e primeira médica da família, ia trazer respeito ao nosso sobrenome, portanto, com respeito eu era tratada. Na escola, eu sustentava o primeiro lugar na classificação geral, todos sabiam que da interiorana e pequena Pennington High School era eu que sairia para a cosmopolita e grandiosa Harvard. Ninguém me desafiava mas quando acontecia eu nunca fraquejava.

Segurando o copo com precisão, guio-o até minha boca onde despejo o líquido com uma determinação da qual me arrependo depois que a bebida desce queimando meu esôfago.

Se ela percebe não demonstra pois tudo que vejo quando bato com o copo na madeira é um olhar de aprovação.

— Então, — começa após beber seu próprio drinque — quem você é?

Quando eu tomei aquele copo, esqueci também que era minha primeira experiência com álcool então agora que vejo seus olhos brilhando como se estivessem me desafiando não sei se ele já está fazendo efeito. De qualquer forma, um arrepio sacode minha espinha.

— Millie Austin, 17 anos, último ano do colegial, vencedora do Spelling Bee e futura neurologista.

Uma risadinha escapa dela como se eu tivesse contado uma piada engraçada e isso me irrita pois não sou acostumada a não ser levada a sério.

— Isso não é uma apresentação ao seu professor, você não tem que tentar me impressionar. Me diga quem você realmente é.

Talvez fosse sua seriedade repentina ou suas orbes deslizando de um lado para o outro na caixa como se lessem um manual. Fosse o que fosse, aquela pergunta me paralisou. Aquela era outra novidade sobre aquela garota: todos se convenciam com minhas falas decoradas, menos ela.

— E quem você é?

Pergunto tentando soar pelo menos a metade ameaçadora do que ela foi, mas logo vejo que falho quando com um sorriso caloroso diz:

— Você vai já conhecer.

Pelo tempo em que ela sai detrás do balcão e some dentro do espaço para funcionários, um homem sobe ao palco e anuncia uma atração.

— … Sky Hunter!

O público vai ao delírio, ao que parece o cantor já era um velho conhecido da casa e não me surpreendo quando a garota barman sobe ao palco e o jogo de luzes azuis recaem sobre ela.

Sua voz é delicada como sinos de vento e acolhe a música desconhecida por mim em seus tons baixos e envolventes, proferindo-a como um desabafo. E seu desabafo continua até a próxima canção, na qual nesta ela ainda está melancólica, sentindo falta de que algo que nunca teve, mas não necessariamente triste e em um sorriso alucinado admite que pelo menos tem a si mesma.

Ao fim, todos a aplaudem (inclusive eu) e ela revela a autoria de ambas as melodias. Prontamente entendo o que ela queria dizer sobre conhecê-la. Ela não tem discos arranhados ou frases pré-prontas como todo mundo — como eu —, ela se apresenta com ações, sem esforços desnecessários para impressões grandiosas, e eu desejo ter apenas um terço da sua coragem.

Sentando-se de frente para mim após seus minutos de fama, sinto minha garganta pesar. Vergonha. Diante dela me sinto pequena, boba e infantil, uma criança desesperada para chegar à vida adulta. Apenas meus pais me fazem sentir assim.

Baixo meus olhos para minha mão em meu colo, fugindo de seu olhar. Ela percebe e provando mais uma vez sua maturidade não zomba nem faz gracinhas. Pelo contrário, me toma pela mão e carrega até o centro do bar onde uma música agitada novamente é cuspida pelos alto falantes no corpo daqueles que se agitam na pista.

Naquela noite, nós dançamos até o suor escorrer, até as frustrações e decepções evaporarem, até a liberdade preencher o ar denso. Pela primeira vez em muito tempo, eu me senti livre o suficiente para ser o que eu quisesse: criança, adolescente ou adulta, sem pressões e expectativas sobre meus ombros.

Ao fim da noite, sua mão deslizou para meu bolso traseiro deixando ali um guardanapo rabiscado com seu número, mas do que eu me lembro mesmo era do rastro quente que ficou após ela puxar a mão de volta e das respirações misturadas.

Ao fim da noite, sua mão deslizou para meu bolso traseiro deixando ali um guardanapo rabiscado com seu número, mas do que eu me lembro mesmo era do rastro quente que ficou após ela puxar a mão de volta e das respirações misturadas

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Depois Do VerãoWhere stories live. Discover now