França 1914
A tormenta caía forte sobre minha cabeça, esfriando a súbita quentura que instalou-se em meu interior após a revelação do médico da família. Eu tentava não perder o foco, mesmo com as gotículas grossas da chuva impedindo-me de enxergar o alvo com clareza. Todo o meu corpo tremia de frio e medo.Meus pés afundaram na grama molhada, dando-me a sensação de perda. De onde eu estava era possível avistar o Castelo de Scarbrough.
__ Srta. Vasseur, por favor, venha comigo!__ Gaspar implorou-me para que retornasse com ele para casa, mas fingi não ouvi-lo.
__ Vá embora, Gaspar. Deixe-me sozinha.__ Murmurei ainda imóvel sobre o solo molhado.
__ Céus! Ficará doente, senhorita! Largue este arco por Deus!__ A voz dele beirava o desespero.
__ O que será de mim, Gaspar? Estou sozinha!__ Desabando na lama sem forças para continuar, joguei o arco longe. O choro agudo há tanto tempo reprimido rompeu em minha garganta já dolorida.
Papai estava morto e Nathanael longe de casa.
A tuberculose agravou-se num espaço de tempo muito curto, infelizmente não haviam mais meios de tardar o inevitável. Papai estava de cama há pouco mais de dois meses inteiros. Dr.Bernad havia feito o possível, e o impossível para que ele melhorasse.
Em vão.
Eu não conseguia me conformar.
__ C'est le noeud de la cruauté, Dieu!__ Brandei com a voz fraca que se misturava ao vento forte.
Relâmpagos riscavam o céu, fazendo meu peito sangrar pela morte súbita de meu pai. Eu não merecia ficar a mercê da sorte e do destino fatídico.
__ Senhorita, s'il vous plait.__ Gaspar pegou em minhas mãos, ajudando-me a levantar.__ Ele está em paz, criança.
Papai fora um homem gentil, cuidadoso e acima de tudo, uma alma bondosa em vida.
Eu era idêntica a mamãe, uma espanhola forçada a fugir de sua casa após seu pai lhe jogar nas garras de um homem cruel ao qual ela odiava. Papai havia encontrado-a vagando pelas ruas da Espanha quando teve de viajar para fechar negócios importantes no país. Ele soube no mesmo instante que a viu que era ela.
Herdara dela os cabelos castanhos que iam até a altura dos ombros, a pele bronzeada e as irís escuras. Todos os traços eram seus, porém o coração tenro era de Dantê.
Nathanael ao contrário de mim, era uma cópia fiel de nosso pai. Ele o lembrava em tudo. Os olhos azuis eram familiares e olhavam-me com a mesma ternura de Dantê Vasseur. Ele ainda estava em Londres e ainda não sabia sobre a morte de nosso pai.
Estava sozinha.
Gaspar colocou o guarda-chuva sob minha cabeça, e os meus pensamentos voaram para o segundo pior momento de minha curta vida.
__ Valentinne, você tem de ser forte.__ Papai disse com lágrimas vertidas nos olhos.
O ar parecia mais pesado, fazendo-me sentir ainda mais sufocada. As persianas fechadas deixavam o quarto um breu.
Já não sabia como portar-me diante de todo o sofrimento que havia se alastrado no último mês. Já não sabia como fingir ser forte enquanto tudo aquilo continuava a massacrar-me. Nathanael estava longe, enquanto a tuberculose de papai havia se agravado. Encontrava-me muito além de perdida. Deus continuava a me castigar por algum pecado que eu não tinha ciência de ter cometido.
No meu aniversário de dez anos mamãe nos deixara. Agora mais uma parte de mim estava prestes a descansar para todo o sempre.
__ Não sei se suportarei, querido pai.__ sussurrei deitando a cabeça em seu peito sentindo sua respiração sôfrega.
__ Preciso que saia, senhorita. Por favor.__ o médico da família pediu educadamente, mas continha uma preocupação explícita em seus olhos azuis.
Ainda que relutante, deixei o aposento.
__ Com licença.
Haviam tantas coisas a se dizer...
O cadáver de Dantê estirado sobre a cama ficaria para sempre em minhas lembranças.
Saí da mansão como louca sem saber para onde ir, meu peito retumbante subia e descia sem controle, enquanto minha visão turva deixava-me ainda mais desorientada. A única coisa que vestia quando deixei minha casa, fora uma camisola branca que acabara por ficar transparente devido a chuva forte que cobriu o vasto céu da França.
Nada seria mais o mesmo depois daquele maldito dia. Minha vida mudaria completamente.
___________x____________
{tradução das frases em francês lá em cima.}
*C'est le noeud de la cruauté, Dieu!: este é o ponto crucial da crueldade, Deus!
* s'il vous plait: por favor
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FanfictionValentinne Vasseur não se identificava com os costumes das jovens de sua idade. Todas estavam atrás de um marido, enquanto ela ia contra todas essas ideias. Seus pensamentos e objetivos iam além da compreensão alheia, e para ela, a sociedade tóxica...