Os Monges e o Mosteiro

Start from the beginning
                                    

Quanto a Aedan, seguira a vida como monge por não querer tornar-se cavaleiro igual ao pai, morto numa das batalhas contra a França havia quase dez anos. Fazia o que lhe mandavam, mas desobedecia a uma que outra ordem por baixo dos panos, muitos irmãos já tinham se acostumado com seu jeito pândego e por rir em demasia, vez ou outra ganhando algumas repreensões e penitências. Não se importava muito em trabalhar por mais tempo depois de beber além da conta na adega. Por vezes se arriscava um pouco mais ao visitar algumas mulheres nas vilas das redondezas, onde por mais que os demais irmãos especulassem sobre suas atividades, Aedan se escapava ao não fornecer grandes provas do que fazia. Sabia que tipos como Adrian tentavam de tudo para incriminá-lo, mas por ora somente ria internamente pela incompetência deles.

Somente Bernard era capaz de unir esses antagônicos. Apelidado de Cordeiro Manso por seu jeito tranquilo e ações que sempre remetiam ao pacifismo, não havia ninguém que não simpatizasse com sua natureza afável. Foi uma verdadeira lástima ter sido um dos vários irmãos que se acometeram com a peste, apodrecendo vivo consecutivamente a cada hora que se passava. Ele sabia que sua hora se aproximava e por isso fez aquele pedido para os irmãos. Não queria que seus últimos momentos se resumissem a definhar naquele ambiente escuro e moroso que se tornou o mosteiro desde a epidemia, sendo isolado por causar medo e repulsa, tendo companhia apenas os de mesmo estado, vendo-os falecer um a um enquanto esperava a sua própria morte.

Só queria sair e ver o céu uma última vez, sentindo o ar puro adentrar nos seus pulmões feridos. Queria também se despedir dos que se foram naquela vida e dizer que, se Deus permitisse, em breve estaria com eles novamente. Precisava daquilo ou acreditava que não conseguiria fazer a passagem completamente em paz.

Não esperava encontrar alguém disposto a atender seu pedido, ainda estando surpreso com o fato de estar sendo ajudado por aqueles dois irmãos. A questão é que Adrian não tinha medo da morte e parecia sempre buscá-la de alguma forma, enquanto Aedan possuía arrependimentos quanto não ajudar alguém próximo e procurava desde então compensar toda a culpa que sentia.

– Grato sou pela vossa benevolência... Serão abençoados, continuarei a rezar por suas almas quando estiver junto ao Senhor. – Bernard esforçou-se a dizer as palavras, ditas quase em murmúrios e martelando seus pulmões exauridos.

– Não diga tais agouros irmão. – Aedan interveio desconcertado com a ideia de perder mais alguém. Já haviam sido tantos, provavelmente também o seria uma hora ou outra, mas ainda assim não conseguia aceitar por completo a ideia de uma doença tão aterradora. Pensar que mais um amigo tão querido iria para cova lhe era desesperador.

– Não há nada de errado em aceitar a própria morte. Ela é a passagem para nosso verdadeiro destino junto aos braços do Pai, é preciso almejar nosso lugar aos céus e rejeitar tudo o que vem deste mundo imerso em pecado. – Adrian disse de forma serena, os olhos escuros fitando o horizonte como se não conversasse somente entre eles. – Se sente estar na sua hora irmão, quiçá seja o momento de se redimir e receber a última benção.

O frei enfermo hesitou alguns instantes em sua resposta, pois estava com o corpo tão debilitado que sua mente demorava a raciocinar com clareza. Aedan lhe lançou um olhar preocupado, ciente de que deveria aceitar o terrível destino do amigo, mesmo que não fizesse parte das filosofias mórbidas de Adrian. Por mais que não conseguisse salvar um irmão mais uma vez, ao menos dessa vez lembraria que estivera ao seu lado até os últimos instantes.

– Conversaremos sobre isso... Depois. Depois disso. – Respondeu antes de entrar em uma breve e sôfrega crise de tosse, fazendo com que seus companheiros parassem a caminhada por um instante e o esperassem se recompor.

Bernard gostaria que fosse noite, para assim poder observar as estrelas mais uma vez. As mesmas que séculos atrás também iluminaram a mente dos grandes mestres da qual sempre bebeu do conhecimento, as estrelas de Ptolomeu e Hiparco, apreciando cada nome e constelação a enfeitar os céus. Ele desejava poder sentir sua imensidão uma última vez, olhar as formas dos signos e mergulhar em todas as emoções que o céu lhe causava, toda conexão que a natureza divina propunha em todas as suas criações, uma só carne. Se ele voltaria ao pó, que as estrelas o acompanhassem.

Ode aos desafortunadosWhere stories live. Discover now