Criança Infernal

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Quando eu era criança, minha mãe me colocou em uma escola infantil. Apesar da aparência de pequeno monstro ela tinha esperança que eu fizesse "amiguinhos". Dá vontade de rir. Amigos não são para os da minha espécie...

No primeiro dia de aula eu estava empolgado. Até aquele momento eu nunca tinha estado diante dos horrores que ia encontrar. Ainda não haviam manchas na minha alma.Eu era doce, tinha que ser doce. Porra! Eu era só uma criança. Muito bem, eu parecia uma pequena cria do inferno, uma piada de mau gosto da natureza, uma aberração, medonho ao ponto de muitos quererem jamais ter me visto. Mas eu era só a porcaria de uma criança! Isso jamais foi levado em consideração, afinal, criança ou não olhar pra mim é saber que seus pesadelos são reais. Saber que o bicho papão existe mesmo...

Ele está naquele calafrio na sua espinha quando as luzes se apagam. Naquele sentimento esmagador de que você não está sozinho. Ele está olhando você agora, bem ali naquela sombra, esperando você apagar as luzes. Mas não é na infância que ele devora você. Afinal você está alerta. Você pede pra dormir com as luzes acessas. Pede pra dormir em grupo, sabiamente como um guerreiro bem treinado que espera o ataque do inimigo. O mínimo barulho vindo das trevas aniquila o seu sono, pois você sabe no fundo da alma, que algo está ali. Algo ruim. Algo que você não pode ver, mas que está ali. Ele só está esperando sua guarda baixar pra puxar o seu pé, não pra te assustar. Se você tiver sorte irá morrer antes de sentir o medo arrancar toda razão do seu ser. Afinal de contas o que ele quer é estraçalhar você, arrancar a carne dos seus ossos enquanto você implora por misericórdia. Ele apenas sorri e mutila, como se não soubesse fazer mais nada na vida, como se o objetivo de sua existência fosse fazer você sofrer da maneira mais bizarra que sua mente doentia e cruel puder conceber. Daí você cresce e fica estúpido. Você ignora todos os seus medos infantis, toda sua proteção. Você faz isso pra não enlouquecer, pra tentar ser normalzinho como o restante do gado. Cuidado, pois o destino do gado é tão somente o matadouro. O gado existe apenas para ser devorado. Olhar pra mim é ter todo esse medo de volta. Eu sou a constatação de que seu medo mais profundo é verdadeiro. Por isso eu sou odiado. Eu sou a verdade que você não quer encarar. Por tudo isso a vadia da dona da escola riu pra minha mãe, no dia da minha inscrição, do mesmo modo que um deputado faz quando fala com seu "povo amado", ela escondia a náusea que olhar pra mim causava, pra tirar proveito do desespero da minha mãe.

- Não se preocupe, ele vai ser muito bem tratado aqui! Você vai ver! Luan, você vai se divertir muito com as outras crianças!

Até eu acreditei naquela vaca gorda. Um amontoado de banha e cobiça com cabelos longos e sebosos, isso é o que ela era (devia ter cortado mais ela...). Sou obrigado admitir que acreditasse nela também. No fundo tudo que eu sempre quis foi que alguém se importasse comigo e pudesse me amar como eu sou.

Foi duro pra minha mãe me tirar da cama naquela manhã. Eu sou um ser noturno, e precisava acordar às seis da manhã.

- Vamos, Luan! Você vai se atrasar! Você não quer fazer amiguinhos? – ela disse afagando meu temível rosto...

O Sorriso da minha mãe estava ainda mais radiante naquela manhã. A pele de um moreno intenso, os cabelos longos e lisos, os olhos castanhos vivos. As palavras sempre amigáveis, prontas a consolar que estivessem dores na alma, minha mãe é até hoje uma bela mulher. Bela e valente, que segurou a berra quando o marido e os familiares se afastaram por causa do filho deformado e apavorante. Luzia é como todos a chamam. Ela é mais que minha mãe, ela é cada parte boa do meu ser. Ela é cada pedaço meu que ainda é humano. Foi um café da manhã alegre. Minha mãe sempre gostou de cantar e naquele dia ela mais parecia um rádio. Nossa casa era simples, formada de quarto e cozinha e chovia mais dentro da casa do que fora dela.

Criança InfernalWhere stories live. Discover now