EXPERIMENT(AR)O

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"— Fique comigo... Já tentamos outras felicidades... Você é a minha...."

Fernando acorda com o peito comprimido de agonia desconhecida e com o sussurro martelando em sua mente enquanto uma lágrima febril escorre pela lateral do rosto, de encontro ao frio tecido da fronha.

A voz surge fraca, densa e exaurida. — Pedro, aconteceu uma coisa e você não gostará, irmão. Me perdoa... — é nítido que o sangue verte, saltando pela boca, deixando a voz pegajosa, apesar do leve e perceptível sorriso. — Cuida deles... por favor... — A dor em pausas se torna tão presente. — Eu te amo, cara... sinto muito mesmo... — O respirar exige força, uma que se esvai rapidamente. — Eu não queria que fosse assim... — As lágrimas se enrolam nas palavras. — As coisas estão tão confusas e tão claras ao mesmo tempo. Parece aquele negócio que dizem, sabe? Quando a morte chega, a gente fica bem. — O choro se intensifica. — Sei que você vai me odiar e se odiar por me odiar. Não faça isso com você. Não faça isso com eles. Tiraram o Fernando com vida e... Deus! Ele ficará bem. Tem de ficar. — A fala se torna um gorgolejar estranho e doloroso, num misto de felicidade e tristeza. — Estão tentando de tudo para me tirar daqui, mas sei... não conseguirão a tempo... — A voz sai num fio agudo. — Cuida do meu filho. Seja o pai que eu queria ser. Desculpa, cara, sempre soube que era meu. Acho que você também. Até porque, você não quer ter filhos, só que... as crianças gostam de você e o meu filho vai te amar... ele te amará tanto... como eu te amo... muito. — O oxigênio parece faltar e um silêncio ensurdecedor se faz presente. — Merda... Como é que pode? Sinto que não te disse tudo o que precisava... — Sons de metal persistem ao fundo, estridentes. "Aguenta firma, amigão, já vamos chegar até você". — Ai, droga! Não culpe o resgate... eles estão tentando ao máximo... é que, para variar, ferrei tudo bonito. Sou assim, né? Se é para fazer idiotice, faça bem feito. — Risos de temor saem aos soquinhos em meio ao pranto. A voz principal do áudio cessa e se ouve apenas outras ao longe, até que ela volta, tremida. — O que me consola é que verei meu pai, né? Sinto falta dele e acho que conseguirei... Sentirei sua falta... Senti quando você se alistou... Senti toda vez que você se afastou da gente... Sentirei falta do Nando... diz que... ele tentou, mas que era a minha hora... — As palavras demoram a sair e silenciam mais uma vez. — Pedro... o celular escorregou... — Risos cansados e o tilintar dos dentes ofegantes se sobrepõe ao som externo ao carro. — Tentei ficar forte e fingir... não dá mais... está bem frio e estou em Presidente Prudente, quando é que sentimos frio aqui, hein?! Nem sei se ainda me escuta... Acho que estou falando para tentar continuar mais um pouco aqui... — O choro vence e é claro a desistência. — Deus, por que demorei tanto para enxergar...? Para entender que o meu amor estava bem ao meu lado o tempo todo? Heloá... Queria tanto ter compreendido melhor... antes... Ah...aquele nosso primeiro beijo... foi a melhor coisa da minha vida... — Durante as tosses, pode-se sentir, mais certo do que nunca, são convulsões. — Pedro? Você é um pesquisador. Nosso pai deve ter passado isso para a gente... Voltarei para te contar como é isso... como é ir... Eu... Gabriel... — E o som agudo avisa o fim da última mensagem.

A cabeça de Heloá lateja, a respiração falha e o peito arde de tanto chorar. Por minutos a fio permanece com os fones de ouvido, o celular na mão. Até que se levanta e sai andando debilmente para fora da garagem, passa pelo gramado externo e entra na sala pela porta de vidro, ignorando a voz real de Vinny. No entanto, fica impossível ignorar a de Pedro, bravio.

— O Fernando me pediu para pegar um remédio no guarda-roupa dele e óbvio, achei esse vídeo, que ele, por algum motivo idiota, queria que eu assistisse. É isso o que você pretende? Que percamos mais um?

A voz de Pedro é fria, capaz até de congelar as lágrimas restantes na face da mestiça, que perplexa, visualiza a imagem pausada na televisão. Seu marido terrivelmente caído na sala, sangrando pelo nariz, com expressão de extrema dor, e ela desesperada tentando salvá-lo.

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⏰ Última atualização: Dec 06, 2018 ⏰

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