Dual_3

DESCUIDO

Há algo. Sempre há algo a mais. Mesmo que as peças pareçam ter acabado e o jogo chegado ao fim. A sensação. A sensação é tudo o que se tem. É tudo o que resta. Mas também há sempre outro algo que chama mais atenção e o esquecimento vem sorrateiro, vencedor. E as direções mudam num redesenho fabuloso do Destino.

As estrelas se escondem atrás de uma lua encoberta pelas nuvens avermelhadas, que lentamente se deslocam, tomando a imensidão.

Pedro argumenta de todos os modos possíveis, contudo, Daniele está irredutível. Nunca a vira tão decidida. Mil possibilidades passam por sua mente, caso a expulse dali a ponta pés. O risco de Heloá ser alvejada por perguntas e visitas de assistentes sociais, pessoas estranhas acreditando ter o direito de se intrometerem em suas vidas, em como ela educa o próprio filho, sendo que não há nada de errado. Não há nada de errado! Tê-la, possivelmente perante um juiz, um júri, o que quer seja, julgando, expondo a vida deles, dela... Mesmo que ele acionasse contatos escusos, que se expusesse, se deixasse rastrear, ela sofreria, profundamente. O moreno se lembra de tudo o que Octávio contou sobre o que passou para conseguir a guarda do filho, todo o martírio para afastá-lo de Ângela, do mal que ela exercia. Não pode permitir que Tavinho tenha a vida que seu avô lutou tanto para impedir. Sem contar que conhece a ardilosa Ângela e pode finalmente tirar Daniele das garras dela. Heloá conseguirá suportar uma traição dele, já perder o filho e a privacidade, com certeza não. Vinny que o perdoe, mas ali existe a chance clara de evitar o que sua amada mais teme. De preservá-la do mundo preconceituoso, como ele mesmo. Pedro fecha os olhos e aponta a mesa de reuniões.

— Não, Pedro, por favor, não faz isso. É minha irmã... minha irmãzinha, cara.

— Vai para lá, tira a roupa.

O corpo de Daniele chega a tremer com a gélida voz do moreno. Ela sempre quis isso. Sempre sonhou com isso. Seja como for, não desistirá. Anda receosa até a mesa, vira e olha para ele, ainda de costas para ela. A loira fecha os olhos, buscando a coragem necessária, guardara-se para este momento. Começa a retirar as peças de roupa, que caem no chão.

O moreno a vê pelo reflexo da janela, nua. Murmura um perdão a Vinny e se vira, retirando a camisa, e andando até Daniele.

A loira fica embasbacada com a visão daquele deus grego se aproximando. É ainda mais lindo do que se lembrava. A boca rosada se entreabre, febril, nervosa, ansiosa e desejosa. A respiração acelera descompassada.

— Esse ato não mudará nada, Daniele, tenha consciência disso.

— Não... Se a Heloá souber, nunca o perdoará.

— Mu-mudará. Ma-mamãe deixará vocês em paz.

De modo grosseiro, as mãos de Pedro seguram a cintura de Daniele, puxando-a para si, e sua boca toma a dela de assalto, mecanicamente, ao mesmo tempo em que ele sente um nó imenso na garganta.

— Não, não, não, não...

Se Tamara pregou os olhos por alguns minutos durante a noite foi muito. A luz diurna começa a invadir o quarto, revelando as nuances. Olha para o lado e o marido parece em um sono conturbado, volta e meia as sobrancelhas tremem um pouco, o cenho franze. Estica o braço e deixa as pontas dos dedos contornarem o rosto do homem de sua vida, sem o tocar. Ainda que durma mal, pelo menos, de alguma forma, descansa. Qual será o problema que o perturba tanto? Algo com o tratamento de Bianca? Só de pensar nessa possibilidade sua pele se arrepia toda temerosa. Por que você insiste em me poupar? Levanta-se com cuidado e vai ao banheiro lavar o rosto quando sente uma dor aguda, segura o grito. Esquecera-se do espelho quebrado. Pega a toalha de rosto mais próxima e cobre o calcanhar ferido. Volta ao quarto, Gabriel continua dormindo, veste o penhoar e sai. Pensa em ligar para Sabrina, mas a amiga ainda deve estar dormindo, devido ao fuso horário.