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𝒫𝓇𝒾𝓂𝑒𝒾𝓇𝑜

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O ônibus velho chacoalha e relincha como um cavalo raivoso. Com tantas pessoas amassadas uma contra as outras, eu faço o possível para manter a mala pesada firme entre meus pés e me atento à chamada de cada parada como uma penitência sem fim.

Num último solavanco, a gravidade me atinge e sou obrigada a fazer de uma senhora que dormia tranquilamente de anteparo. De imediato, ela esbugalha os olhos e solta:

— Mocinha insolente! – aponta o braço frágil e faz balançar a pele flácida abaixo dele.

Engulo em seco e logo trato de tomar a mala em mãos.

— P-perdão – digo rápido e abaixo a cabeça.

Torno em seguida ao corredor estreito, entretanto ninguém faz questão de liberar o caminho ou de se mover minimamente.

Abro passagem entre corpos imóveis e me desculpo a cada resmungo infeliz. Sou então capaz de saltar dos degraus altos do automóvel e esticar os braços enfim livres.

O ar nada suave me abraça. A fumaça dos veículos que vêm e vão pela rua movimentada fazem com que meus pulmões reclamem a cada inspirada.

Mas ignoro — essa é a maneira de Nova Iorque dar as boas-vindas.

A vida no convento interiorano e pacato em que cresci é o completo oposto do que a visão cinzenta da cidade transmite. Vendo a pressa de transeuntes e motoristas, o tempo parece até mesmo encurtar.

Chamar este lugar de casa parece ser uma tarefa difícil.

Meus pés fazem o caminho curto até a Igreja de Saint Paul — Irmã Cristine fez que eu o decorasse de cor e salteado. Passo curiosa por prediozinhos de tijolos vermelhos e idênticos que se alternam com o comércio local.

Pouco passos depois, se destaca na mesmice uma construção imponente. A Igreja se ergue não muito além dos prédios em altura, mas suas torres pontiagudas e os belos vitrais que refletem a pouca luz solar restante encantam-me os olhos. Sou preenchida por uma sensação familiar e aconchegante ao olhá-la. Levo a mão ao crucifixo em meu peito e o acaricio sorrindo. Hell's Kitchen não seria de todo mal, afinal.

— Jessamine!

A voz feminina que chama vem de uma das janelas laterais, mas logo que soa, some. Não me alongo na procura, pois logo reaparece no portão de entrada.

— Você chegou, finalmente! Pensei que tivesse sido engolida pela cidade grande.

É a Irmã Maggie. Ela ruma em minha direção com a mesma expressão agridoce de sempre, e o tilintar de seus saltos no chão me faz relembrar memórias antigas. Deixo a mala escorregar entre os dedos e corro em sua direção.

— Meu Senhor! – ela cambaleia para trás quando a atinjo em um abraço.

— Irmã Maggie! Você não sabe o quanto senti a sua falta!

— Certo, certo.

Margareth não consegue conter o riso e me afaga as costas por um instante. Em seguida, segura meus ombros e me afasta, analisando cada pedaço de meu rosto pensativa.

— Continua como o bebê que criei... só muito maior do que me lembro – os olhos dela, bem como os meus, viajam para anos antes, quando ela me acolhera como sua própria filha – mas vamos entrar logo, você deve estar exausta.

E eu realmente estava, a viagem havia durado algumas longas horas. Então, quando ela sugere, não perco tempo e volto para recolher a mala e a seguir igreja à dentro.

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⏰ Last updated: Aug 29, 2020 ⏰

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𝐌𝐞 𝐚𝐧𝐝 𝐓𝐡𝐞 𝐃𝐞𝐯𝐢𝐥Where stories live. Discover now