O canto

3 0 0
                                    


João foi traído, a vida foi quem lhe traiu. Nasceu já órfão, quase morreu abandonado no lixão. João desde que veio ao mundo nunca se entregaria ao fracasso, chorou tão alto usando todo o ar que existia em seus minúsculos pulmões. Foi um choro breve, mas suficiente para que uma catadora que estava do outro lado da enorme pilha de lixo pudesse ouvir e lhe resgatar. João venceu o primeiro desafio de sua vida, porém eles estavam apenas começando, a catadora não chamou socorro médico, não levou ao hospital, não contou a ninguém que o encontrara, ela tinha problemas mentais e morava sozinha em um barraco. João foi posto de baixo da cama onde lhe serviu de companhia alguns filhotinhos de cachorros que eram abandonados e sempre fugiam quando ficavam maiores.
Mais por milagre do que qualquer outra coisa João foi sobrevivendo e crescendo, aprendeu a andar, mas não a falar. Certo dia sua "maelouca" esqueceu destrancada a porta e ele nu saiu andando lixão a fora. Um caminhão de lixou foi descarregar e o motorista ao descer da cabine pode perceber uma dúzia de urubus rodeando uma carniça, ele não deu muita confiança até ouvir um grunhido e firmara a vista em uma criança nua se debatendo com um galho na mão, espantando os urubus de cima de seu corpo.
Em fim João foi salvo, levado ao hospital teve seu primeiro banho da sua vida, em seus plenos e presumidos cinco anos de idade. A vida quando resolve não gostar de você ela se esforça para isso.
João passou mais de cinco anos vivendo em um lixão, comendo lavagem e sobreviveu a isso com saúde. Ao ser resgatado, durante os dois primeiros dias que ficou em observação no hospital pegou uma infecção bacteriana que o deixou paraplégico. Morrer não é para qualquer um, tem que merecer.
João continuou a luta contra as intempéries da vida, sem saber ao certo se estava sendo provado por Deus ou castigado pelo Diabo.
Passados alguns anos, havia sido adotado e bem-criado, agora já com vinte anos ele vivera com as pernas enfaixadas da cintura para baixo, pois isso lhe dava sustentação e conforto ao ficar sentado na cadeira de rodas. Certo dia em uma manhã de sol João resolve passear pelo bairro e por ponta própria se jogar da ponte. Não estava com a intenção de morrer, apenas se banhar, mesmo sem nunca ter nadado na sua vida. Por incrível que pareça, João não afundou, ficou boiando por conta de suas ataduras que prendiam suas pernas, era como uma boia. Ele foi descendo a correnteza e a felicidade o tomou conta ao ponto de começar a cantarolar rio a baixo.
Em um certo trecho do rio, já fora da cidade uma jovem senhora de nome Paula escuta uma música indecifrável e olhando ao redor percebe João descendo correnteza a fora, achando que aquilo fosse um sinal de Deus, Paula tira a corda do pescoço e desce da árvore, volta para casa e resolve assumir a gravidez, diferente de vinte anos atrás.
João sem saber salvou a vida de Paula. Ele continuou descendo o rio cantando, cantando até que chegou ao mar e daí não se teve mais notícias.
Passados alguns anos do ocorrido, Paula vive plena e feliz, ela se tornou uma boa mãe e todas as noites conta uma linda história de ninar para sua filha em que o titulo é O Canto do Sereio. FIM. (JOMAR RODRIGUES LOPES – 21/10/2018)  

O canto.Where stories live. Discover now