48 - Mono

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Nós estávamos mortos de fome. Encontramos um rastro de javalis e decidimos que seria melhor colocar um pouco de energia para dentro antes de seguir viagem. A caçada foi bem sucedida e nós ficamos com bastante proteína para nos alimentarmos. Acendemos uma fogueira e espetamos o animal em uma das lanças que trouxemos conosco da tribo canibal. Um pouquinho de sal e pimenta teria feito milagre no sabor, mas não ficou nada mal.

Selva, que já estava acordada quando a refeição ficou pronta deu uma torcida no nariz quando viu o que era. Ramon e a criatura sagrada da lua não estavam vivendo no mundo humano como Elisa, Natan e eu, então... digamos que eles acharam a prática do churrasco um pouco selvagem. Bom, era mesmo. No entanto, quando a fome fala, a consciência cala. E a fome estava falando bem alto naquela hora.

Depois da refeição farta, nós seguimos viagem até começar a escurecer. Quando paramos para passar a noite, decidimos montar turnos de vigília, só para garantir que não voltaríamos a ter problemas com os novos amigos que havíamos deixado para trás. Ofereci-me para ser o primeiro. Os demais se acomodaram o mais confortavelmente que puderam. Selva levou vantagem nisso e se aninhou numa bola felpuda branca.

Elisa estava tentando, sem muito sucesso, desfazer com os próprios dedos, os nós do cabelo louro, solto e todo jogado de um lado só sobre um dos ombros. Ramon se acomodara do lado oposto, bem de frente para ela e seguia literalmente cada um dos movimentos da jovem. Ele nem piscava para não perder nenhum. Era só o que me faltava! A minha pulsação acelerou. Levantei de onde eu estava sentado e o agarrei por trás pela gola da camisa. O aprendiz nem me viu chegar de tanto que era a concentração!

— Ei! O que é isso? — ele se assustou quando seu corpo foi erguido do chão.

— Gael? Está tudo bem? — Elisa perguntou.

— Ahn? O que foi? — Natan já estava dormindo e falou desorientado, acordando de repente.

— Não foi nada! — disse arrastando o moleque atrás de mim. — Só estou me sentindo solitário. Preciso de companhia! — o soltei perto de onde eu estava montando vigília e disse: — Pronto, você pode dormir aqui.

— Por quê? — ele perguntou confuso.

— Porque eu estou mandando! — cuspi com raiva. Alma não ia gostar nada se estivesse me vendo agora. Talvez ela me colocasse em algum programa de terapia ou coisa assim quando eu voltasse. Reabilitação.

— Tudo bem, então. — o aprendiz falou já se ajeitando.

Adivinha em que direção ele voltou o rosto?! Só vou te dar uma chance para adivinhar!

— Nada disso! De frente pra mim! — falei.

— Por quê? — dessa vez ele ficou irritado. — E porque está me olhando com essa cara tão feia? Eu não fiz nada agora!

Não! Imagina! Só está comendo a minha irmã com os olhos bem na minha frente! Mais nada!

— Porque em primeiro lugar — falei baixo só pra ele escutar —, a minha cara é feia assim mesmo. E em segundo lugar, ela está dizendo: quero ser seu cunhado?!

O jovem baixou os olhos amuado e contrariado. Eu acrescentei, só pra deixar bem claro, caso o aprendiz não estivesse compreendendo:

— É melhor parar de olhar assim pra minha irmã, ou vai ficar com um sentido a menos.

O jovem bufou, suspirou e resmungou alguma coisa sem me dar uma resposta, mas se deitou de costas para Elisa. Mais essa agora! O que ele estava pensando?! O Ramon? Interessado na Elisa?! Não, não, não e não mesmo! Cada coisa que eu tenho que aguentar nessa vida! Parece brincadeira!

Tempo Quebrado | 2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora