Epílogo

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4 anos depois...

          Eu não preciso ser forte a todo momento. Uma lição que eu custei a aprender com a terapia fora que sou falha; sou uma pessoa com defeitos como tantas outras, e está tudo bem em ser assim. Sentir que a vida é um imenso fardo era um indicativo de que eu precisava me aprofundar em meus próprios problemas para sair deles. Trancar sentimentos em uma caixa e tentar escondê-los ou amenizá-los não era solução, nem mesmo paliativa. Tentar me machucar fisicamente também não era uma opção, não me aliviava. Era o contrário, não passava de uma ilusão da minha mente doente. Passei muito tempo tentando me desvencilhar do fato de que eu precisava de ajuda e que precisava me dedicar plenamente se eu quisesse me livrar daquilo ao que me referi como demônios. Ignorá-los fora o mesmo que os criar em cativeiro, perto demais e pouco manipuláveis.

          Mas eu tinha me tornado uma mulher livre. Nem tão logo, fiz um novo pacto com Serena e Karine ao perceber que havíamos cavado um buraco grande demais para nossos corpos conseguirem viverem em paz consigo mesmos. Nós passaríamos a nos consultar com uma terapeuta e assim não carregaríamos o peso da culpa em nossas costas para todo o sempre. Mesmo deixando um específico detalhe de fora, para evitar que fôssemos para a cadeia, a terapia continuava fora dos consultórios. Marcávamos encontros uma vez na semana para falar sobre o que acontecera e uns a mais quando alguma de nós estivesse sendo atormentada pela morte e o sepultamento improvisado de Daniel.

          Serena, nos primeiros meses, tinha diversos pesadelos e, às vezes, podia jurar que ela achava que estava sendo seguida pelo fantasma do meu falecido ex-companheiro. Com o passar do tempo e com o total apoio, meu e de Karine, as coisas pareceram andar para frente. A culpa que sentíamos foi se dissipando aos poucos, ainda mais quando nos foi permitida uma visita a Kris e pudemos ver o estrago que Daniel havia feito. Sua aparência tinha sido um grande choque para todas nós. Quando ouvimos que ele ficaria bem, a imagem de uma pessoa saudável, como sempre tinha sido, se formou em minha cabeça — e penso que nas delas também. A realidade, no entanto, fora outra. Kristoph parecia ter perdido toda sua vitalidade, se tornando um perfeito candidato para viver um personagem que caminhava na corda bamba entre a vida e a morte.

          Aquela quebra de expectativa foi um dos fatores que serviu, ao menos para mim, como um trator sobre a culpa que eu ainda sentia. Se eu pudesse voltar no tempo e fazer as coisas diferentes, eu faria, mas não era possível — não ainda — e o que nos restava era superar o que fizemos, sem importar o custo. Livrar nossas mentes dos receios, das imagens e daquele barulho que seu corpo fez ao se chocar com o concreto que insistia em que repetir em minha cabeça, deixando-me enjoada.

          A vida seguiu. Ficamos atentas nos noticiários da minha antiga cidade para saber se alguém procurava por Daniel e também ficamos de olhos bem abertos no novo mercado que havia sido construído sobre o túmulo de Daniel. Até o dia da inauguração, tudo correu bem, sem alardes pela cidade e sem estranheza. No mais, era como se não existisse nada para nos preocupar. Era até mesmo cômico pensar naquilo. Três pessoas conseguiram guardar um segredo obscuro em uma cidade que parecia ter como patrimônio a arte de compartilhar fofocas. Não contamos nem para nossos familiares e muito menos para Kris. Quando acordou e saiu do hospital, explicamos que tudo tinha sido resolvido.

— Confie em mim, Kris. Ele nunca mais dará as caras por aqui. Apenas... Siga a maré. — Disse, segura de minhas palavras. A confusão em seu rosto se fez suave, mas logo concordou, sem mais perguntas.

          Até mesmo quando ele foi interrogado por policiais para que confirmasse que o assaltante preso tinha sido o autor do disparo que lhe deixara hospitalizado, Kris confirmou a especulação. Horas depois, ciente do sino batendo em sua cabeça que clareava aos poucos seus pensamentos, quis saber o motivo de ter tido que mentir para a polícia. E assim como tinha feito com as autoridades, eu menti para ele.

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