Do Corpo ao Pó

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- E a vencedora é... Victória Palmer! - anunciava o apresentador do programa de celebridades.

Subindo no palco, a jovem e elegante senhorita Palmer distribuía sorrisos e beijos ao público que aplaudia de pé. Uma multidão de pessoas que ela nem conhecia chorava e erguia os braços histericamente na sua direção. Em uma competição com inúmeras concorrentes, ela se utilizou de todas as artimanhas que uma mulher ambiciosa e compulsivamente vaidosa poderia arquitetar. Seus lábios vermelhos em seu sorriso triunfal diante das câmeras ocultavam o caminho sombrio que trilhara até então. Victória havia apostado um preço muito alto em uma rede de intrigas, sedução, magia negra e dinheiro para alcançar o topo. Agora que estava lá, desejava manter sua condição e faria qualquer coisa para não perder a beleza e o poder que acreditava possuir.

Sentindo seu ego inflar como um balão de ar quente, ela, com sua beleza e juventude, trazia inveja a muitas mulheres. Ao mesmo tempo, encantava e seduzia muitos homens, com seus olhos felinos e famintos. 

Aproximando-se do microfone, Victória falou palavras genéricas de forma decorada e mecânica, para terminar aquilo de uma vez e poder conferir nos jornais e blogs na internet o que os críticos estavam comentando a seu respeito. Ela vivia obcecada pela fama e pela vida de celebridade. Porém, também cultivava sentimentos compulsivos de perseguição. Temia paparazzis e homens assediadores. Temia as mulheres que a invejavam e queriam ser como ela. Temia até mesmo aqueles que diziam ser seus amigos.

A jovem mulher de pele alva e cabelos ruivos já ganhara muitos prêmios de novelas, reality shows e cinema. Não que fosse uma boa atriz, mas sua fama era devido à beleza fabricada e quase inalcançável que consumira cada centavo das suas posses e economias.

Jogando a franja do cabelo para trás, numa posição fotogênica para as revistas e tabloides da moda, desceu as escadas que se ocultavam atrás do palco. Mudando suas feições sorridentes para um olhar impaciente e leviano, saiu às pressas pela porta das estrelas. Caminhou ligeiro por um lindo tapete vermelho, cercado pelos fãs e a imprensa alternativa. 

Sem querer saber de distribuir autógrafos, entrou em uma limusine alugada e equipada com muito luxo. Apesar de todo o conforto, sentia-se desconfortável e só. Na cabine do automóvel gelado pelo ar condicionado, sua pele se arrepiou como o presságio de um mau agouro.

A limusine partiu do meio da multidão de fãs que corriam inutilmente atrás do veículo. Acelerando cada vez mais, na medida em que se afastavam do teatro, o carro rumou em direção à autoestrada. Em algumas horas, estariam na casa de campo de Victória.

Já era tarde da noite quando começou a chover. A estrada encharcada lançava uma onda de lama a cada carro que passava. As enormes poças formadas pela tempestade faziam com que a limusine derrapasse seguidas vezes durante o percurso. Por pouco, eles não bateram numa caminhonete em alta velocidade, no sentido contrário da estrada. Victória se assustou com o som da buzina e o balanço da inércia dentro do carro, de modo a bater com a cabeça no vidro.

- Que droga! Vai ficar um galo no meio da minha testa! – resmungou a mulher, toda emplumada, para o motorista. - Você não acha que está indo rápido demais para uma pista molhada?

- Não se preocupe, senhorita. Faltam apenas 90 km para chegarmos a sua casa de campo!

Sentindo-se com raiva e frustração pela situação, suspirou forçadamente. Perturbada pela impaciência, recostou-se no banco traseiro, torcendo para que chegasse viva em seu refúgio.

Enquanto Victória dormia profundamente no banco de trás, o motorista ouviu um estrondo na capota, acima de sua cabeça. Sem dar muita importância ao barulho - pois pensou ser algum galho caindo de uma árvore na estrada - ele prosseguiu pela pista molhada, aumentando ainda mais a velocidade para compensar o atraso.

Do Corpo ao PóWhere stories live. Discover now