Paula Carminatti
PaulaCarminatti"A morte veio com o brilho das estrelas. Para muitos.
Para outros, foi a vida."— O que é isso? — Ambrose, capitão da nave Nebulosa, olhava com curiosidade para a pequena e suja caixa preta de formato estranho, um cubo contendo um pequeno espaço acústico no centro e cinco botões na superfície superior.
— Um equipamento analógico muito antigo, capitão. — A resposta veio do tenente Offyr, um jovem capaz de reunir na mesma proporção características que provocavam em Ambrose respeito e ao mesmo tempo irritação. Era um rapaz de inteligência sagaz, grande coragem e ousadia, cuja curiosidade e obstinação colocaram a tripulação de Nebulosa em risco ao terem permanecido tempo excessivo sobre a atmosfera de uma Terra às vésperas de sua morte. Foi por muito pouco que conseguiram alcançar a força de aceleração necessária para zarparem da região, alguns minutos antes da explosão do núcleo superaquecido do planeta. Apesar do perigo a que foram expostos, foi também devido à teimosia do jovem tenente que conseguiram encontrar a pequena caixa preta, neste momento jogada sobre a mesa da biblioteca de Nebulosa, o último resquício das antigas civilizações que um dia habitaram a Terra. — Fiz uns testes e creio ser possível fazê-lo funcionar.
A rápida troca de olhares entre o capitão e o tenente comunicou expectativas profundas demais para serem expostas com palavras. Sequer precisaram usar de telepatia para compreenderem mutuamente o que cada um sentia.
— De quanto tempo você precisa?
— Calculo que antes de atingirmos a próxima dobra espacial, capitão.
Ambrose assentiu em silêncio antes de cada um retornar às suas respectivas obrigações. Mal conseguiam esconder a ansiedade.
***
— Capitão, o senhor não vai acreditar. — Offyr apareceu ofegante à porta da cabine de comando e o sobressalto provocado em Ambrose o fez derramar seu chá.
— Será possível que você não consegue ser menos estouvado? — Respirou fundo e contou até 10, quando sentiu ter conseguido dominar o impulso momentâneo de fazer um discurso sobre os modos desastrados do tenente. — O equipamento funcionou?
— Perfeitamente, capitão. — Offyr ignorou a bronca de Ambrose, como sempre fazia, e continuou sua interlocução quase sem pausar entre uma palavra e outra. — Esse aparelho é um gravador de voz. Consegui fazê-lo funcionar e decodifiquei o som para podermos escutar em nosso próprio idioma.
— Isso quer dizer que...
— Finalmente temos um registro real de nossos ancestrais.
Sem delongas correram até a sala de máquinas, um amplo espaço circular onde Offyr passava a maior parte de seu tempo junto a dois assistentes. No momento a sala estava vazia, de forma que teriam paz para apreciarem a descoberta.
Sentaram-se em duas poltronas. Offyr pegou um fone de ouvidos para si e entregou outro à Ambrose. O trabalho fora tão bem feito que o tom da voz soou exatamente igual à do áudio original - suave, musical, como jamais ouviram antes.
***
Manaus, Amazonas, 18 de outubro de 2287. Nem sei por que estou fazendo isso, gravar um diário. É uma coisa boba, mas... Eu tenho essa loucura de achar que um dia alguém escutará isso e talvez ache interessante. Olá para vocês que estão me ouvindo neste momento, do passado para o seu presente. Como é a vida de vocês aí no futuro? A minha é boa, realmente muito boa. Espero que a de vocês também seja.
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