Capítulo 6 - Lado a Lado

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Ubatuba, São Paulo 12 de Junho De 2018

Há estudos que comprovam que água fria faz um bem danado para os cabelos. Especialmente para cabelos cacheados como o meu. Chega ser quase impossível se esquivar de um banho quente neste inverno. Se deixar, passo horas e horas embaixo do chuveiro. É divinamente relaxante e revigora qualquer alma morta. O truque para esses dias gelados é calcular bem o tempo. Afinal, são apenas 8 minutos de banho. Estou certa de que hoje precisarei bem mais que isso.

Ligo o chuveiro enquanto confiro novamente se trouxe todos meus itens de cabelo. Maionese, ok. Shampoo e condicionador, ok. Finalizador de cachos, ok. Gelatina, ok. Creme de pentear, ok. Óleo de coco, ok. Toalha microfibra, ok. Desde que decidi fazer transição e ter finalmente alcançado o resultado desejado. Ando em um romance de puro amor com meus cachos. E um dos meus maiores gastos atualmente certamente é com meu cabelo. Passo horas no YouTube, vendo blogs que dão diversas dicas para manter os cachos sempre belíssimos. Venho seguindo à risca, cada dica. E vem dado muito certo. Meu cabelo agora tem leveza, cachos dançando com o vento. O que me agrada muito. Nunca me sentir tão plena como me sinto agora. Ter cortado meu cabelo, parece que trouxe a vida de volta. Não só para meu cabelo. Mas sabe quando você ver uma estrela brilhar aí dentro? É exatamente assim que me sinto. Brilhante encaracolada. É tanto, que as pessoas notam. Fico tão feliz com isso! Foram quase 11 meses de transição. E quando finalmente decidi cortar o cabelo, mesmo em pé de guerra com meu ex namorado. O que dificultou um pouco o processo. Me mantive forte na minha decisão e cortei, bem curto. Estranhei as primeiras horas. Mas depois já me via desfilando com um chanel mega despojado por aí. Cachos e mais cachos. Radiante.

"Miga, me conta! Rolou?"

Era o Lucca no corredor. Ele queria saber se tinha rolado algo entre eu e o Kai na praia hoje.

"Não rolou nada, Lucca. Só ficamos conversando sobre à vida, como você mesmo viu."

"Sério? Eu jurava que estava rolando algo entre vocês. Por isso vim embora, para que ficassem à vontade."

"Pois deveria ter ficado, aliás, Kai me perguntou porque não ficou. E realmente não soube o que responder. Pois também não tinha entendido."

"Ah, eu notei algo diferente entre vocês dois. A maneira como ele te olhava amiga, como não notou?"

"Bom, ele me convidou para tomar açaí mais tarde. Mas não vi nada demais. Eu gostei dele. Mas penso que ele não está interessado. Só amizade mesmo. Não quero criar expectativas."

"Claro."

"Depois falamos disso, Lucca. Vou terminar meu banho. Te vejo lá embaixo."

Escuto Lucca fechar a porta do quarto. Ufa, ainda bem que não insistiu no assunto. Lucca era assim. Cheio de intuições. E eu também. Por isso fico confusa quando ele começa a falar. Uma hora, diz uma coisa. E agora me diz outra. Esse menino quer me deixar maluca!

Eu olho pro Lucca agora. E me recordo de quando chegou aqui.Como se visse meu próprio reflexo no espelho. Uma borboleta fechada no seu próprio casulo. Com medo, assustada, perdida. Que feio. Vê-lo isolado me angustiava. Era como se a qualquer momento o mundo dele fosse desabar. Eu sabia bem o que ele passava. Já estive no mesmo buraco. Dor alguma se compara, mas hoje tenho amor suficiente para compreender sua dor. E jamais desejaria, nem para meu pior inimigo que passasse pelo que passei. E é por isso que vê-lo daquela forma, me feria tanto. Eu sentia que deveria fazer algo para ajudá-lo. Foi o que fiz.

Aos poucos fui me aproximando dele. Notava que já se sentia melhor, dava pra ver um brilhinho se acendendo no fundo dos seus olhos. Via vida. O que me alegrava muito. Ele é um menino muito doce. Com um coração imenso. Tem um mundo inteiro lá fora para desvendar. Merece viver. Merece se jogar! E eu estaria ali segurando na sua mão caso ele precisasse. Faria por ele o que não fizeram por mim. Daria todo apoio. O apoio que nunca tive da minha família.

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