Convite

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Não trabalhava, assim, como quem diz "eu trabalho com tal coisa", ou "eu sou tal profissional". Não tinha profissão definida, nem emprego fixo. Era um bico aqui e outro ali, daquelas suficientes pra pagar as contas.

Cada dia era uma rotina nova, o que definitivamente era bom. Muito bom. Odiava rotina, odiava desempenhar as mesmas tarefas - e odiava ainda mais se elas fossem ordenadas por alguém. Sua mãe, um chefe, um desconhecido, não importava. Ninguém lhe dava ordens, essa era a ordem. Não ter rotina era muito conveniente em diversos tipos de situações, principalmente nessa.

O que sempre fazia, mais que como um hábito, algo como parte de si, que mostrava exatamente sua personalidade, era sentar-se de frente ao computador assim que chegasse em casa, ou que levantasse da cama. O que viesse primeiro. Sempre ligava o troço, digitava suas credenciais e acessava todas as suas contas em todos os tipos de serviços online que tinha acesso - e, de vez em quando, aos que não tinha também. Não se orgulhava de saber fazer isso, não, mas também não deixava a habilidade de lado. Hackear as senhas dos outros fora um hobby muito comum na adolescência e certos hobbies não se extinguem nunca.

Checava e-mails, seus contatos numa rede social, as mensagens privadas em outra, o que estavam falando num mural de recados ou num fórum qualquer, as notícias no site do jornal, e por aí vai. Passava no mínimo umas três ou quatro horas nessa lenga-lenga, sem sair do lugar, literalmente.

Quando acabava, começava tudo outro vez. Só que ia pelo gosto pessoal na segunda vistoria - na primeira era uma questão de necessidade, ou, muito raramente, de contatos profissionais. Na repetição, selecionava as coisas que queria que seus olhos vissem e seu cérebro assimilasse.

Num dia desses, um dia qualquer mesmo - não estava fazendo calor demais, ou frio demais. Não havia arcoíris no céu, nem tragédias anunciadas na TV. Estava tudo no marasmo de sempre, na calmaria habitual. Nesse dia, resolveu abrir seu endereço de e-mail, a primeira coisa que fazia quando seu computador finalmente liberava seu acesso e a internet funcionava corretamente.

Um para a caixa de spam, outro para a lixeira. Ah, uma promoção de comida japonesa? Guardar para ler depois, na segunda checagem. Título desinteressante, correntes de parentes, uma newsletter que não se lembrava de ter assinado, mais promoção... tudo para o lixo eletrônicao.

No meio das linhas em negrito, vislumbrou algo estranho e inédito.

Havia um e-mail cujo título se destacava em caixa alta, mas ele não caíra direto na caixa de spam, ou na aba de promoções. Não pertencia a nenhum dos dois e era totalmente curioso, pois nunca vira nada parecido na sua caixa de entrada. Era a primeira vez que recebia daquele remetende também, que se identificava somente como "expresse".

Que diabos era aquilo?

Clicou e o e-mail se revelou diante de si, na tela luminosa do eletrônico.

O conteúdo era ainda mais estranho, mais enigmático.

No corpo do e-mail, um pequeno texto indicava algumas instruções inusitadas e, no rodapé, havia um endereço. O nome de uma rua, um número e um ponto de referência: "debaixo do viaduto, primeira porta". Uma referência que não se referia a nada, na verdade. Parecia completamente sem coerência.

Aquele era seu e-mail pessoal, porém. Ninguém tinha o endereço, a não ser que ele mesmo o repassasse. As outras dezenas de contas funcionavam como um redirecionamento para aquele específico.

Ficou olhando para a tela de boca aberta, sem saber o que deveria absorver daquela informação. O e-mail havia sido mandado diretamente para aquele endereço.

O titulo em caixa alta lhe fez revirar o estômago numa ansiedade esquisita, como se a pessoa que o tivesse mandado conseguisse falar diretamente com sua cabeça, ler seus pensamentos. Era uma sensação desesperadora, ao mesmo tempo que fascinante.

Fascinantemente agonizante.

Empurrou os óculos para cima no nariz e piscou, relendo a minúscula mensagem. Clicou para expandir o cabeçalho do e-mail e viu que os destinatários haviam sido omitidos, ocultados. Só o seu e-mail pessoal se encontrava visível para si. O remetente fizera um bom trabalho, afinal. Não parecia ser um amador ou desatento.

Expresse arroba expresso ponto com.

Tentou acessar o domínio informado no restante do endereço, mas a página do seu navegador ficava branca como uma folha de papel não pautada. Voltou ao e-mail e releu as linhas explicativas.

Não estava sonhando, muito menos imaginando coisas.

Fechou-o e tentou ignorá-lo durante toda a primeira checagem. Falhou miseravelmente. A todo instante ia para a caixa de entrada verificar se a mensagem não havia desaparecido tão misteriosamente quanto aparecera, mas, como não havia sido movida para nenhuma outra caixa, nem para o lixo eletrônico, ela continuava lá.

O título do e-mail se destacava em maiúsculas mesmo no meio de tantos outros.

Nele se lia "Clube do Silêncio".

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⏰ Last updated: Aug 04, 2014 ⏰

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Clube do SilêncioWhere stories live. Discover now