Quando chegaram ao portão da fazenda, já a Lua resplandecia, desenhando ao longo da eira a sombra espichada de enormes macajubeiras sussurrantes. Fazia um tempo magnífico, seco, fresco, transparente; podia ler-se ao luar.
O guia sacudiu com vigor a campainha e gritou:
— Ó de casa!
Seguiu-se uma algazarra de cães. Veio abrir um preto, munido de um tição, que trazia sempre em movimento, para conservá-lo aceso.
— Boa noite, tio velho! disse Manuel.
— D'es-b'a-noite, branco! respondeu o negro.
E, segurando a brida do cavalo, conduziu com este o cavaleiro até a casa.
Raimundo e o guia seguiram atrás. De longe, avistaram logo uma parede rebocada, disforme, que ao luar se afigurava um lago entre árvores. Mais perto, o lago se transformou num sobrado e os viajantes descobriram uma porta, em cujo esvazamento se desenhara o vulto varonil do Cancela, que detinha dois formidáveis rafeiros.
— Ora viva! gritou o dono da casa. E, voltando-se para os cães, que insistiam em ladrar: Safa, Rompe-Nuvens! Arreda, Quebra-Ferros!
Os cães rosnaram amigavelmente, e o fazendeiro, com sua voz forte, de pulmões enxutos, gritou para Manuel:
— Então sempre veio!.. Pois olhe, cuidei que desta vez fizesse como das outras!... Enfim, como vai essa católica?
— Assim, assim, um pouco moído da viagem... disse Manuel, entregando o cavalo ao preto e apertando a mão do Cancela. Como lhe vão cá os seus?
— Bons, louvado Deus. Ainda estão na Ave-Maria, mas não devem tardar.
Efetivamente, vinha do interior da casa um coro abafado de vozes, que rezava cantando.
Raimundo aproximou-se, depois de apear.
— Este é o Mundico de que lhe falei! declarou Manuel, empurrando o sobrinho para a frente.
O rapaz espantou-se com a rústica apresentação, e muito mais, quando o roceiro, em vez de cumprimentá-lo, pôs as mãos nas cadeiras e começou a passar-lhe uma revista de cima a baixo, como quem examina uma criança.
— Com os diabos! exclamou, soltando uma risada. Você e seu compadre falaram-me em um menino!...
— Há doze anos!
— Olha o demo! Pois, seu Mundiquinho, aperte esta mão, que é de um antigo amigo de seu pai, e não repare se não encontrar por aqui o bom trato da cidade! Isto cá sempre é roça! mas vá como o outro, que diz: "Mais vai pouca de bom coração, que muito de sovina!..."
E conduziu os hóspedes à varanda, menos o guia, que se tinha aboletado já pelos ranchos dos
pretos.
— Homem! vocês vão se assentando nessas redes! Ó Pedro! vê cachimbos! Traze a cana e o café. Ou querem antes vinho?
— Qualquer coisa serve.
— Temos aqui conhaque! ofereceu Raimundo, apresentando um frasco que trazia a tiracolo.
— Pode fartar-se com ele! desdenhou Cancela. É coisinha que não me entra cá no bico!
Encheram-se três copinhos de cana-capim.
— Vá lá à nossa! E venham despir-se para cear!
E conduziu-os a um quarto, destinado exclusivamente a hóspedes.
A casa compreendia a antiga fazenda Barroso, onde noutro tempo morou e morreu a sogra de José da Silva, e uma parte nova, feita de pedra e cal, cujo cuidado de construção revelava a prosperidade do rendeiro.
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