Amor Sinalagmático

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Há um copo vazio sobre a mesa. Augusto está em casa. Embora eu tivesse desejado que não. Fecho os olhos, aperto as lágrimas. Consigo lembrar-me do gosto do vinho que bebia no dia em que decidi cometer o pior erro da minha vida. Tem gosto salgado das lágrimas que agora entram pelos meus lábios. Limpo o rosto e olho para o envelope na minha mão. A minha alma encolhe-se ainda mais. Estou de rastos. Logo eu, que sempre me considerei uma pessoa plena. Tenho um trabalho que adoro, independência para recriar-me todos os dias, e liberdade para sonhar sem limites. Meu único pecado é não ser casada. Quer dizer, era. Há um ano e pouco sanei o problema. Já posso ir aos almoços com a família, sem ser alvo de comentários de pena por causa do meu estado civil. Casar não estava no topo das minhas prioridades. Mas as pessoas não entendiam. Não queriam entender. Eu pergunto, que gosto tem o chá sem açúcar? Há quem aprecie assim. Há inclusive quem diga que é assim que se deve bebê-lo, sem açúcar. Ok, mas cada um com o seu paladar. O meu chá tem que ser equilibrado. Doce à medida. Se for para ser insípido, então não o quero. Se for para ser amargo, também não o quero.

Esta magia, este açúcar que tanto procuras, não existe! Diziam os mais sabidos. Eu já encontrei o açúcar, só que faltava o chá. Vezes houve em que encontrei o chá, mas não havia o açúcar. Então desisti de procurar. As pessoas tinham razão. Se calhar esta combinação, por mais simples que parecesse, não existia. A medida que o tempo for te vencendo, aprenderás a beber o chá assim mesmo, fervendo e sem açúcar! Será? Tinha de me conformar?

Foi quando apareceu Augusto, driblando todas as regras, inclusive as gravitacionais. Conheci Augusto num convívio, através do Carlos, um amigo em comum. Devemos ter tomado dois ou três cafés depois disso. Apesar de muito jovem, Augusto andava embrenhado até os dentes na política e nos meandros empresariais. Quando convidou-me para jantar e falar de negócios, pensei que o assunto fosse a elaboração de uma campanha publicitária. Mas não era isso.

- Aceitarias casar-te comigo?

Quase cuspi o vinho ao ouvir a pergunta. A questão foi colocada de repente, do nada. Não havia nenhum tipo de relação entre nós. Não éramos namorados, nem amigos. Nem sequer amantes. De onde vinha aquilo?

- Casar-me contigo?

Augusto exibiu um sorrisinho hermético e explicou:

- Estou prestes a ser eleito para um cargo importante. Só que não posso continuar no estado em que me encontro. Preciso ser casado.

Detalhou então o dilema: O cargo que iria ocupar exigia uma imagem limpa, de homem de família. Precisava casar-se, e depressa. Mas não estava preparado para isso. A ideia de passar toda a eternidade atrelado à uma só pessoa, o apavorava. Queria uma solução temporária, algo mais precário. Apenas para responder as demandas políticas e sociais. Um ano. Depois libertava-se e libertava a esposa.

- Porquê eu? – perguntei espantada. Não sou do tipo vistosa, nem do tipo dondoca. De longe me julgava o protótipo de esposa para ele.

- Eu gosto de ti, Amélia. És discreta e inteligente. É disso que de momento preciso. Conviveríamos como amigos. Um ano, só isso. O que dizes? É que seria complicado firmar um acordo destes com alguém com que tenho laços mais profundos, não achas?

- Parece-me arriscado. E se um de nós mudar de ideias? – perguntei duas horas depois, após tanto debatermos a proposta - e se isto acabar mal?

- Acabar mal? Não vou apaixonar-me por ti, se é disso que tens medo. E não o digo de forma desrespeitosa, pelo contrário. – lançou uma mirada inibida sobre o meu decote antes de acrescentar - É apenas porque eu não consigo ser de uma só. Sou uma puta, confesso. E tu? Achas que conseguirias?

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