"Dormiu bem, querida?" Balanço a cabeça negando porque jurei nunca mais esconder nada dele. "Sua mãe só conseguiu dormir no meio da madrugada depois de um tranquilizante. Vai demorar, mas vai passar, meu amor."

"Eu sei papai. Eu sei." Arrasto-me até a mesa e me sento ao lado de Gabriel, que me abraça pelos ombros, fazendo-me deitar a cabeça em seu peito. Seu coração bate em um ritmo lento, conforme sua respiração, dessa vez Gabriel cheira a notas de canela e baunilha, mostrando que mais uma vez trocou o perfume porque nunca consegue passar muito tempo usando a mesma fragrância sem enjoar. Diferente de mim que uso o mesmo perfume desde os quinze anos e não tenho a mínima pretensão de trocar por outro.

"Eu detesto mudanças." Falo baixinho comigo mesmo.

"Mudanças são necessárias para nosso amadurecimento. Já pensou se vivêssemos na inércia ou se por medo do novo as pessoas nunca tivessem por exemplo, inventado os remédios, as vacinas, a energia elétrica, ou os meios de transporte?" Mantenho-me em silêncio, rodando meu anel de formatura no dedo. "O que acha de patinarmos hoje a noite? O inverno desse ano começou mais cedo e nossa pista já está pronta. Eu ainda te pago quatro bolas de sorvete com cobertura de morango."

"Você quer me ver estatelada no chão servindo de chacota para todos, isso sim." Resmungo apenas para não chorar da minha inimizade com a gravidade. "Sempre fui péssima em qualquer coisa que envolva equilíbrio. Lembra de quando meus joelhos ficaram na carne viva quando inventei de aprender a andar de skate, ou daquela vez que quebrei o pulso tentando andar de bicicleta?"

"Eu quase seco minhas pernas te carregando na garupa da minha bicicleta." Sempre jogando os favores na minha cara, como senão tivesse feito mais que sua obrigação de melhor amigo. "Eu não vou soltar suas mãos, Mel. Pode ficar tranquila."

"Não vai levar aquela sua girafa ruiva. Ela é muito metida e grudenta. Fica o tempo todo mexendo naqueles cabelos de comercial de tinta e grudada no seu braço como se fosse um carrapato." Afasto-me de Gabriel e só então percebo que papai já não está mais na cozinha.

"Você não era tão ciumenta assim." Dou de ombros porque nunca escondi que não gosto de dividir com estranhos as pessoas que me são especiais. Se eu pudesse colocaria todos dentro de um potinho só para ninguém poder machucá-los. "Então, vamos patinar hoje a noite?"

"Preciso mesmo me distrair não é?" Gabriel acena positivamente e então percebo o corte perto do seu lábio inferior. Por instinto, levo minha mão até o machucado e aperto os olhos para melhor analisar. "Até hoje ainda não aprendeu a fazer a barba direito, senhor Mikaelson. No YouTube tem uns tutoriais bem legais que ensinam tudo, aprendi fazer uns penteados bem legais por lá." Olho para cima e levo um susto ao perceber que estou com o rosto muito próximo ao de Gabriel, que se afasta um pouco para trás e arqueia a sobrancelha direita antes de abrir um quase sorriso. "Seus cílios são maiores e mais grossos que os meus. Deveria ser crime os homens serem mais bonitos que as mulheres." Afasto-me em busca de um café quando minha barriga resolve dá uma reviravolta esquisita de fome. "Quer um misto?"

"Obrigado, mas não posso me atrasar para o trabalho." Gabriel levanta e arruma os punhos da camisa social branca. Pego presunto, queijo e pão de forma da geladeira para preparar meu lanche. "Só passei aqui para saber como está."

"Já falei que você é o meu melhor amigo de todo o mundo e que não pode me trocar por ninguém?" Sorrimos um para o outro antes que Gabriel vá para o trabalho prometendo que passará aqui em casa para irmos patinar.

O dia passa lentamente, em uma tristeza que se torna ainda mais melancólica por causa do tempo frio. Já passava do meio-dia quando meus irmãos e eu decidimos levar o almoço da mamãe no quarto e lhe fizemos companhia. Ela está tão abatida e não é para menos, pois perder a mãe é como enterrar um pedaço da nossa história. Eu tinha mal cinco anos quando perdi a mamãe Valerie, não entendia nada da vida, só que até hoje me lembro da dor e do medo que tive ao compreender que ela tinha ido morar no céu e me deixado aqui. Eu tinha um pai, um tio e avós maravilhosos, no entanto, minha mãe era minha heroína, o meu tudo, o meu anjo aqui na terra. Então, quando ganhei Elena como minha nova mãe, eu sabia que era o presente que o meu anjo loiro que havia ido morar no céu estava mandando para cuidar de mim. Elena se tornou não só minha mãe de coração como também minha melhor amiga feminina, como eu costumava chamá-la quando criança. Ela me ensinou valores, a lutar por meus sonhos, cuidou de mim durante as crises de cólicas menstruais, esteve incontáveis vezes nas diretorias dos colégios para me defender, colocou-me de castigo quando necessário, deu-me amor na mesma medida que para os meus irmãos e jamais me tratou diferente por não ter o seu sangue. Então, eu não posso nem pensar em perdê-la porque ela é o meu tudo, a mulher da minha vida.

Série Corações Feridos: Não me esqueça (Vol. 4) ✔Where stories live. Discover now