— Então, me diga, que assunto seria esse? — Emendou enquanto arrastava sua cadeira para perto da mesa, de forma que conseguisse apoiar seus cotovelos sobre a mesma, descansando o queixo em suas mãos, e ainda assim permanecer com a postura de quem era ela que comandava tudo que acontecia sob aquele teto. — Na verdade, me diga primeiro como você está. Conseguiu se recuperar dos hematomas? — Minha estadia no hospital não fora segredo para ninguém da clínica, mas claro que os detalhes ninguém sabia, a não ser, eu desconfiava, minha secretária. Para os outros, eu apenas havia me envolvido em uma espécie de acidente, necessitando de cuidados médicos por um período de algumas semanas. Mexi em meu cabelo, tentando ajeitá-lo, acreditando que eu poderia me mover e a marca que Daniel deixara em meu pescoço pudesse acabar por aparecer.

— Estou bem, Vicky. Obrigada por perguntar. — Permaneci elegante, com a postura ereta, as mãos cruzadas no colo e as pernas pendendo para o mesmo lado. — Tudo em ordem. — Prolonguei-me nos "u", tentando fazer uma gracinha, ao qual Vicky correspondeu com um risinho.

— Pois bem, me diga o que você quer. — Victoria era uma mulher direta e sempre gostou que as coisas lhe fossem ditas sem ladainhas, principalmente nas reuniões da clínica. Nelas, apresentávamos novos casos e discutíamos os melhores métodos de avançar com a terapia de pacientes cujos quadros podiam ser complicados. E ali eu também precisava ser direta, sem parecer grossa. Apenas devia apresentar os fatos que realmente importassem para o meu pedido.

— Infelizmente, Vicky, precisarei pedir minhas contas. — Minhas mãos já suavam frio e eu tentei conter minha vontade de secá-las no meu vestido. A mulher me encarou pelo o que pareceu uma década. Não conseguia identificar se seu rosto expressava incredulidade ou apenas curiosidade. Por fim, Vicky balançou lentamente a cabeça para frente e para trás, com ela ainda apoiada nas mãos, e projetou seus lábios para fora, formando um bico.

— Quanto?

— Perdão? — Ajeitei-me na cadeira, procurando ficar pelo menos numa posição mais confortável, pensando que me ajudaria a passar por aquela conversa.

— Para você ficar. Quanto que você quer?

— Não! — Exaltei-me com o mal entendido. Vicky realmente acreditou que eu estava usando uma tática barata para conseguir um aumento. — Eu não estou aqui para isso. Vicky, eu realmente... — Eu realmente o quê?! O que eu realmente precisava? Alguém saberia me dizer? — Eu tenho que ir embora. Aconteceu.... Aconteceu algumas coisas que estão me forçando a seguir em frente. Por isso que preciso ir. — Estava ciente de que minha fala parecia sair da boca de uma garotinha, mas eu tinha deixado o nervoso me vencer. Vicky utilizou-se de alguns minutos para absorver todos os pontos e entender o que eu queria dizer. Era o fim para nós duas, um fim forçado, mas ainda assim um fim.

— Tudo bem. Para quem você quer que eu repasse seus casos? — Torci o nariz ao ouvir a última palavra, não gostava de me referir aos meus pacientes como coisas, mas Vicky não se importava com aquilo. Levantou-se em direção aos arquivos, dando-me tempo de enxugar uma lágrima, sem que ela visse, que ainda brincava em encher meus olhos, e voltou trazendo para mesa as fichas de meus pacientes. Ficamos ali mais um tempo discutindo sobre os psiquiatras disponíveis para pegar novos "casos" e qual se encaixaria melhor em cada. Quando tudo estava re-etiquetado, e eu tinha assinado todos os papéis que Vicky colocou em minha frente, preparei para me despedir de minha primeira e única mentora mulher. Tudo o que me ensinara seria carregado comigo para onde eu fosse, pelo menos disso tinha certeza.

— Deixe um endereço para contato, vou enviar para você uma excelente carta de recomendação. — Disse, piscando para mim enquanto me oferecia um bloco de notas e uma caneta. Sorri para ela, agradecendo por toda oportunidade que me proporcionara durante o tempo que fiquei ali.

Um pedaço de mimOnde histórias criam vida. Descubra agora