Calcei meus sapatos de salto e fui em busca do meu celular para ligar para Kris. A ligação caiu direto para a caixa postal e pensei que poderia estar com o aparelho desligado ou descarregado. Dando mais uma espiada no quarto, me aventurei em ir até seu quarto. Dei algumas batidinhas na porta, mas também não recebi resposta. Soltei um suspiro curto. Teria de me virar sozinha.

          Acordei Evie, a arrumei e partimos em direção ao meu futuro ex local de trabalho. Fui recebida pela minha assistente com um olhar surpreso, mas logo a mesma saiu de trás de seu balcão e veio me abraçar, não medindo seus elogios, incluindo "você parece tão bem". Isso era devido a tonelada de maquiagem que eu me obriguei a passar. O dia já seria difícil por si, não precisava dos olhares pesarosos e piedosos que receberia se apresentasse uma má aparência. Quer dizer, não má, mas a real.

          Sorri para ela, que logo voltou sua atenção para Evie, fazendo carinho no topo de sua cabeça e recebendo um abraço de Evie na altura da cintura.

— Não sabia que você voltaria hoje ao trabalho. — Disse, olhando para mim com um sorriso confiante no rosto. Era o sorriso que tentava expressar o quanto ela me considerava guerreira e inspiradora por eu estar posando como se o que tinha acontecido não passasse de um nada. Mas não era nada, era algo imensamente marcante e, eu sabia, não iria conseguir manter a fachada por muito tempo.

— Na verdade, vim aqui para falar com a Vicky. Ela está? — Victoria Aberlude era quem dava as cartas na clínica. Mesmo que todos soubessem que tudo fora construído através de uma sociedade, também sabiam que quem tinha a última palavra em tudo era ela. Uma mulher como ela que conseguia sobreviver e imperar em um mundo de homens podia, no mínimo, ser considerada um ícone a ser seguido.

          Nem tudo no meu trabalho era flores, não concordava com muitas coisas que Vicky decidia, mas tinha ainda muito o que aprender com ela. Seus métodos, sua imposição implícita e, principalmente, seu poder. Victoria Aberlude sabia jogar e, se ela estava sentada na mesa, era porque nunca perdera uma rodada antes. Porém, infelizmente, minhas decisões me proporcionaram efeitos colaterais difíceis de se contornar no estado em que eu estava. Era, definitivamente, hora de partir.

— Sim, está na sala dela. Pode ir até lá, eu fico com Evie. — Como sempre, minha querida secretária sempre antevia minhas necessidades. Iria sentir sua falta, principalmente do seu profissionalismo. Assenti enquanto rumei para as salas ao fundo da clínica, onde se encontravam os escritórios dos integrantes da sociedade.

          De frente para sala de Vicky e pronta para bater na porta, uma voz lá no fundo me perguntou "Você está realmente tomando a decisão certa?" e eu travei ali mesmo. Meu cérebro apagou e eu não conseguia associar nenhum dos meus pensamentos. Não conseguia colocar em perspectiva o que tinha acontecido, o que eu estava fazendo e o que eu imaginava que iria acontecer. Eu simplesmente fiquei ali, com o punho levantado com a mão fechada, sentindo nada, pensando nada. Não sei ao certo quanto tempo ridiculamente fiquei ali, mas fora só quando Victoria abrira a porta, prestando atenção em uma folha que tinha em mãos e pronta para sair dali, que eu voltei a mim.

— Olívia! — Disse com um tom surpreso. Tentava retomar minha postura de confiante, mas ainda me sentia zonza e desajeitada. Gaguejei um pouco antes de conseguir falar uma frase que fizesse sentido, ao que a Dr. Aberlude prestou atenção, pacientemente, esperando meu momento. Suspirei com um sorriso no rosto, como se me desculpando pela cena.

— Preciso tratar de um assunto com você. — Vicky assentiu e abriu espaço para que eu entrasse em sua sala. Segui até a cadeira de frente a sua mesa e tentei passar um pequeno discurso em minha cabeça sobre como abordar o assunto sem que eu, de alguma forma, a insultasse. Era uma linha muito tênue a se seguir quando você pedia demissão de um lugar como aquele. As pessoas tratam de pensar que ou você as usou para conseguir algo melhor ou, presunçosamente, se sente superior aos seus colegas de trabalho.

Um pedaço de mimWhere stories live. Discover now