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Terça-feira, 24 de julho.

Mais um dia frio e chuvoso no Sul do Brasil.

O sul tem um inverno bem demarcado e os temporais da estação se arrastam por longos e preguiçosos dias.

Busco por meu celular que está em algum lugar entre o emaranhado de cobertores e edredons da minha cama. Após conseguir pagá-lo, olho o horário, são 07:15 da manhã.

Esse seria o momento em que me levantaria e me arrumaria rapidamente para ir a escola, caso fosse um dia normal.

Mas não é.

Primeiro porque as férias começaram a alguns dias, e desde então tenho me permitido curtir minha cama e meus livros levantando mais tarde.

Segundo porque hoje é meu aniversário. Estou completando 16 anos.

Era de se esperar que eu estivesse feliz, com vários planos do que fazer nesse dia tão especial, mas já sei que assim como em vários anos, minha única companhia serão meus livros e uma panela de brigadeiro.

Meus pais estão viajando a trabalho, como sempre, e desde os meus quinze anos minha tia deixou de ficar comigo enquanto eles estão fora por ter ficado grávida de seu primeiro filho e alegar que já sou grande o suficiente para cuidar de mim. Dos amigos que tenho, muitos nem sabem da data, e os poucos que se importam, me enviam mensagens de felicitação, já que sempre deixei claro que não gosto de fazer festas.

Eu sei que poderia chamar as pessoas que realmente gostam de mim para comermos algo aqui em casa ou até mesmo para sair e dar umas voltas no shopping, mas prefiro assim. Eu gosto do silêncio e da paz que tenho quando estou sozinha.

Fico um tempo deitada observando pela grande janela de vidro a chuva que cai incessantemente, pensando em como era bom quando era criança e meus pais me acordavam nesse dia com um bandeja de café da manhã que continha chocolate quente, panquecas americanas, morangos e um cupcake, que dividíamos entre nós três após eu apagar a pequena vela que vinha em cima.

Pego novamente o celular e mexo em minhas redes sociais, respondendo com um pequeno sorriso no rosto as pessoas queridas que lembraram da data. Meus pais ainda não me enviaram nenhuma mensagem, e já sei que provavelmente estão ocupados demais para sequer se darem conta de que dia é hoje.

Quando vejo que já são 08:30 decido levantar e preparar meu próprio chocolate quente, então pego o roupão fofinho colorido que está sobre a cadeira branca ao lado da cama de casal encostada na parede e visto, calçando logo depois minhas pantufas de pelinho roxas.

Meu quarto é totalmente branco e possui algumas cores apenas na roupa de cama e decoração. Minha mãe vive falando que parece um quarto de hospital, mas ela não sabe que o quarto é um reflexo da minha mente, praticamente em branco pela falta de experiências na minha vida.

Sigo até a cozinha e pego no congelador um pacote de pães de queijo congelados, distribuo alguns em uma forma colocando logo depois no forno elétrico. No fogão misturo os ingredientes para o chocolate quente, acrescentando por último alguns ramos de canela.

Quando tudo está pronto levo meu café da manhã para a sala, pegando em meu quarto um cobertor de pelos e um bom livro. Sento no sofá branco que fica encostado em uma das paredes cinzas da grande sala do apartamento, esticando minhas pernas sobre ele. Abro o livro na página em que parei a leitura de madrugada enquanto aos poucos vou tomando meu chocolate quente.

Estou concentrada na leitura do livro quando uma série de acontecimentos estranhos começa no meio da minha sala.

Primeiro, um barulho meio irritante chama minha atenção, fazendo com que tire os olhos do livro para olhar as janelas a minha frente. Então, juntamente com o barulho, uma imagem começa a se formar aos poucos a minha frente. Penso estar ficando maluca, porque não tinha como aquela imagem estar se materializando a minha frente. Arregalo meus olhos quando o barulho acaba e há uma cabine telefônica policial londrina azul, parada no meio da minha sala.

Achando que minha mente havia finalmente parado de me pregar peças, me preparo para levantar do sofá quando a porta da cabine é aberta, revelando a cabeça de um homem que olha para meu apartamento.

-Não sabia que as prisões daqui eram tão confortáveis. - ele diz passando os olhos pela sala até finalmente me enxergar.

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Gerônimo, MiaWhere stories live. Discover now