Capítulo 25: Notre-Dame

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– Sim. – Ela suspirou e sentou em uma caixa que um dia servira para transporte de cargas. – Veja bem, eu estou cansada. Perdi todos os meus irmãos há alguns dias. Estou cansada demais para lutar contra você e suas guarda-costas. Você é minha única esperança de conseguir me vingar de Kane. Sei que deveria estar mais determinada... – Lágrimas brotaram de seu rosto, o que me pegaram totalmente de surpresa; a espada que ela tinha em mãos caiu; Lana e Thais relaxaram quando olhei para elas, também sem saber o que fazer. – É só que... que... – Nunca, desde o momento que os Filhos vieram, imaginei que veria um deles chorando.

As palavras dela sumiram com minha reação. Por tanto tempo eu vi os Filhos como seres sem sentimentos, nascidos para guerrear e matar. Por aquele momento, Hayley, ou melhor, Piersym parecia tão humana quanto qualquer um. E pior do que isso, ela estava completamente sozinha. Fiz o que era correto: ajoelhei ao seu lado e a abracei. Costumam dizer que o Japão é a terra das coisas estranhas, mas, sem dúvida, nada tão estranho quanto aquele gesto tinha acontecido em terras nipônicas.

Hayley deitou em meu ombro e chorou como se nunca tivesse sido abraçada na vida. Thais e Lana fizeram caretas, enquanto Jared sorria maliciosamente – eu sabia exatamente o que ele queria dizer com esse sorrisinho, e eu não gostei nem um pouco do que insinuava. Longos minutos se passaram até que Hayley levantou os olhos para mim.

– Tudo bem. – Praticamente fui obrigado a falar. – Eu aceito seu acordo.

– Então diga. – Ela disse, porém sua voz não era de exigência, e sim um pedido. – Prometa.

– Prometo que, se nos levar até a alma que procuro, ajudarei a vingar-se de Kane.

Seus lábios abriram-se no sorriso mais triste que eu já tinha visto em toda minha vida e morte. Ajudei-a a se levantar e ela esperou enquanto nós coletávamos nossos pertences do barco. Ela nos seguiu até a casa em que nós estávamos hospedados na noite anterior. Depois de deixar nossos objetos ali, Jared afirmou que não sairia.

Lana, Týr, Thais e eu seguimos Hayley para o centro do Tóquio, onde milhares de prédios com televisões desligadas estavam. Nenhuma alma, possuída ou não, vagava por aquelas ruas. Parecia até que um imenso aspirador de pó os tinha sugado para uma dimensão paralela – e tenho certeza de que isso já deve ter sido o enredo de algum filme ou anime japonês.

Ela indicou um prédio grande, cuja placa em kanji eu entendia perfeitamente: tratava-se de um hospital. Nós entramos. Hayley não hesitou ou parou, nós também não. Tivemos que subir a escada, pois não havia energia para usar o elevador. Foram dez andares. Uma vez lá, ela nos guiou até o último quarto do corredor. Uma sombra impediu-me de abrir a porta; uma colocada ali por Hayley.

O quarto era aconchegante e me lembrava os da maternidade Vitória, no Anália Franco, onde uma amiga de minha mãe tinha dado a luz e nós fomos visitar. Apesar do grande espaço, apenas uma cama estava ali; nela, um homem estava deitado. Seus longos cabelos pretos bagunçados pelo travesseiro.

– Quando soube que estava vindo para o Japão – Hayley disse, caminhando até o "paciente"; não precisei perguntar para saber que ela descobrira através da memória coletiva dos Filhos, agora, como eles descobriram, não tinha ideia – eu imaginei que estivesse procurando por alguém. Então, o encontrei. Ele lutou bem, é um bom guerreiro, mas eu precisava dele. Por isso, depois de minha vitória, o coloquei em coma induzido.

– Como? – Estranhei.

– Um de meus irmãos possuiu uma alma que fora enfermeiro. Ele me disse que, combinando alguns remédios que existem aqui no Paraíso, era possível criar um anestésico forte o bastante para mantê-lo desacordado.

Afterlife: HeartlessWhere stories live. Discover now