A alvorada do primeiro dia

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Desde pequena, eu sempre gostei de ver o nascer do sol. Sua chegada era anunciada pelo lento clarear do céu, que era então colorido pelos primeiros raios da manhã. Toda escuridão que porventura pudesse ter existido era substituída pela mais pura beleza que pode existir. Sempre imaginei que a escuridão dentro de mim também ia embora quando o sol aparecia. 

O barulho de pássaros levantando voo fez-me voltar à realidade. Subitamente alerta, olhei ao redor. O musgo escorregadio sob meus pés estava todo esmagado, sinal de que eu havia acampado ali naquela noite, e o ar gelado da montanha estufava meu peito, renovando minhas energias. As poucas árvores que sobreviviam àquelas condições estavam cobertas de geada, por isso tive bastante dificuldade para escalar uma delas. Como diria meu pai, "pé após pé, galho após galho".

Do ponto elevado, pude orientar-me melhor. Fiquei muito empolgada ao finalmente avistar o Templo do Oeste! Construído na encosta da montanha, parecia ser formado por duas construções principais separadas por uma bela de uma escadaria, que me deixou cansada só de olhar. Todo o complexo era cercado por um muro de tijolos, e aparentemente havia algumas cachoeiras por ali - mas, daquela distância, foi só o que consegui observar.

O sol já estava alto no céu, fazendo minha pele arder e suar, quando alcancei os tijolinhos. Precisei andar mais alguns passos até encontrar o portão de entrada, no qual apressei-me a bater. A madeira era tão maciça que meus punhos mal fizeram barulho. 

- Oi! Tem alguém aí? - gritei, as mãos em concha ao redor da boca. Tinha tanto tempo que eu viajava sozinha, sem falar nada, que minha voz saiu estranhíssima, desafinada. Limpei a garganta e tentei novamente: - Oláá? 

Por alguns segundos, nada aconteceu. Eu já estava nervosa, pensando no que deveria fazer caso ninguém respondesse, quando percebi que um dos tijolos do muro estava se mexendo. Encucada, aproximei-me cuidadosamente e levei um susto quando um buraco se revelou, do tamanho exato para acomodar os olhos de uma pessoa.

- Pois não? 

Os olhos que falaram comigo eram desconfiados e castanhos. Apressei-me a fazer minha melhor expressão amigável.

- Oi! Meu nome é Nina. Eu esperava me tornar uma aprendiz do templo. - declarei, tentando esconder meu nervosismo. Se eles adivinhassem quem eu era... será que os cartazes de "procurada" haviam chegado até ali?

- Hum... certo. De onde é a senhorita? - indagaram os olhos.

Felizmente, eu já havia mentalmente ensaiado toda uma vida fictícia para que ninguém ali descobrisse sobre o meu passado, o que me permitiu responder prontamente:

- Eu sou de Sol Escondido. Meus pais queriam que eu me tornasse uma tecelã, mas eu sempre fui muito ruim com os fios. Então, resolvi vir até aqui para seguir o meu sonho de ser uma dançarina de fogo! - tagarelei.

Aparentemente, os olhos decidiram que eu parecia inofensiva o suficiente, pois o tijolo voltou a tapar o buraco no muro e as pesadas portas de madeira se abriram, puxadas por cordas grossas e pessoas queimadas de sol. Aliviada, passei por elas apressadamente.

Fui recebida por uma mulher mais velha que estava vestida com uma túnica branca de mangas compridas - a dona dos olhos castanhos, reconheci. Tinha o rosto agradável de quem fora muito bela quando jovem e os cabelos escuros presos em um coque alto. 

- Seja bem-vinda, Nina de Sol Escondido. - sorriu ela, as mãos cruzadas educadamente na frente do corpo. - Eu sou Pérola, a guardiã do portão. Uma mensagem já foi enviada para os monges alertando sobre sua chegada e suas intenções. Por favor, queira aguardar aqui por alguns instantes.

Acenando com a cabeça, obedeci. Por fora, eu estava tentando parecer o mais submissa possível: o olhar fixo no chão, a postura educada, a expressão pacífica. Aquela imagem não poderia estar mais distante da minha verdadeira personalidade, mas eu precisava agradar aos monges se quisesse ser aceita ali. 

Tudo o que eu podia esperar era que o meu nervosismo não estivesse transparecendo e que ninguém ali me reconhecesse. Para me acalmar, respirei fundo por vários minutos enquanto esperava alguém aparecer e aproveitei para analisar os arredores.

O lado de dentro do muro era bonito. Os caminhos principais eram demarcados por pedrinhas redondas de cor cinza-claro, ladeadas por florzinhas coloridas. O amplo jardim tinha uma área separada para agricultura, outra para os estábulos, além de um pequeno bosque e um chafariz semicongelado. Monges, aprendizes e trabalhadores andavam para lá e para cá; alguns preguiçosamente, bamboleando lado a lado, outros sozinhos e apressados.

Enfim apareceu um mensageiro tímido que me pediu para acompanhá-lo. O garoto não devia ter mais do que quinze anos e mal conseguiu olhar direito para mim, o rosto permanentemente muito vermelho. Atravessamos juntos o jardim, nossos pés fazendo barulho ao deslocar as pedrinhas. 

Percebi que algumas pessoas me olhavam com curiosidade. Tentei ao máximo não me deixar intimidar por elas, já que provavelmente eu só estava chamando a atenção por não estar usando nenhum dos uniformes brancos, pretos ou cinzentos que os moradores do Templo do Oeste ostentavam. Ou talvez fosse por causa da queimadura horrenda que ocupava todo o meu braço esquerdo.

Eu não me envergonhava dela. Afinal, quem brinca com fogo...

Fui levada até uma pequena capela. Ficava no final do bosque que eu havia visto antes, quase rente ao muro do templo. Flores brancas cercavam a construção, dando uma aura mística ao lugar. O aroma que elas exalavam era doce e estranhamente apetitoso, como chocolate... ou provavelmente eu apenas estava há muitas horas sem comer, pensei ao sentir minha barriga roncar violentamente.

Resistindo à tentação de arrancar uma das flores e enfiá-la na boca para sentir seu gosto, deixei o mensageiro para trás e entrei logo na capela. Quando meus olhos se acostumaram à baixa luminosidade, vi que o interior era bem humilde - apenas alguns bancos compridos e um altar sem enfeites - e que um monge idoso rezava a um canto, solitário. 

Sem ousar me aproximar, esperei que terminasse suas preces. Eu não sabia explicar o porquê, mas ele parecia... espiritualmente iluminado.



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⏰ Última atualização: Jul 07, 2020 ⏰

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