Parte 2 - O primeiro crime

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CAPÍTULO 8

FERNANDO

  A entrevista para o meu primeiro emprego estava marcada para às dez horas da manhã, eu sabia que não podia atrasar. Por isso, acordei duas horas mais cedo. Para minha infelicidade, meu irmão tinha entrado no banheiro antes de mim e já estava lá há mais de vinte minutos e de cinco em cinco eu batia na porta para checar se estava tudo bem. Sei que ele já tentou se suicidar várias vezes, apesar de ontem ter sido um dia espetacular e tudo pareceu dar certo. Mesmo assim, sinto-me responsável por ele. Depressão é algo sério e a única doença que pode levar alguém a se matar.

Bati mais uma vez na porta.

— Paulo? Você está bem? Desceu pelo ralo? Estou preocupado.

Meu irmão saiu do banheiro com a toalha enrolada no corpo.

— Desculpe, demorei demais. Estou saindo assim porque sei que está com pressa e não quero que se atrase para sua entrevista.

Antes que eu entrasse no banheiro ele ainda perguntou se eu conhecia alguma academia pelo bairro. Na verdade, eu não conhecia muitos lugares ainda, mas deixei que ele usasse meu notebook para buscar endereços na internet. Passei-lhe minha senha de acesso do computador e me preparei para finalmente tomar banho de cinco rápidos minutos.

Quando saí do banheiro com a toalha branca cobrindo minhas partes baixas, percebi que Maicon ainda dormia. Fiquei me perguntando se ele era folgado assim mesmo ou se apenas estava cansado. Não que isso hoje fizesse alguma diferença. Entrei no quarto ao som de seus roncos que lembravam uma motocicleta ambulante. Por sorte, eu dormia na sala. Fiquei pensando se Paulo realmente conseguiu dormir, apesar de parecer bem esta manhã.

Usei um perfume, abotoei minha camisa branca, pus minha calça preta, calcei meus sapatos novos e engraxados e peguei minha pasta que continha documentos como carteira de trabalho e algumas cópias da identidade de cadastro de pessoa física. Saí do quarto para me despedir de Paulo e pedi para que ele avisasse a Maicon sobre minha saída. Paulo me contou que também iria sair, pretendia procurar emprego para ajudar nas despesas do apartamento e pagar uma academia.

A chuva começou a cair pesada do lado de fora, chegou rasgando o céu escuro e me pegando de surpresa. Na pressa, acabei me esquecendo de levar um guarda-chuva. Logo minhas roupas ficaram ensopadas. Eu havia feito um topete em meu cabelo com gel e tive de dizer adeus ao meu penteado. Apertei os passos para chegar mais rápido no metrô.

*

Havia muitas pessoas aguardando na plataforma. Aquele dia prometia ser longo. A cada seis minutos o metrô aparecia com multidões que saiam pelas portas empurrando umas às outras. Outras tentavam entrar nos vagões sem espaço e empurravam todos que estavam do lado de dentro. Os rostos de alguns ficavam grudados nas portas como se não pudessem respirar ou se mover. Tomei coragem para pegar o próximo, que estava tão lotado quanto. Eram nove e cinco da manhã. Eu não tinha aonde me segurar, as outras pessoas imprensavam meu corpo como se fosse uma máquina que amassava latinhas, mas diferente da história das fábricas, eu não sairia renovado de lá, pelo contrário, provavelmente ficaria cansado e com câimbras na perna. A minha inércia era levada pela inércia dos outros toda a vez que o metrô tinha de parar e uma sequência de resmungos podiam ser ouvidos a cada cinco minutos. Saíam dois passageiros, entravam cinco e assim ficou até chegarmos à Central que nos permitia fazer baldeação. Uma mulher reclamou sobre um homem ter passado a mão em suas nádegas e ele alegou que mal poderia se mexer, que dirá passar a mão boba nela. Ela saiu na próxima estação e chamou os seguranças aos berros.

Bem como eu havia pensado, saí do metrô muito cansado. Qualquer manhã dentro de um metrô no Brasil tornava-se um fator estressante que poderia tirar o bom-humor de qualquer pessoa. Peguei o próximo que passava no outro sentido e entrei no vagão sem olhar para trás. Esqueci a multidão, o calor, o desconforto, os resmungos, a mulher barraqueira e segui viagem, sentado, até chegar ao destino que mudaria minha vida: um possível bom emprego.

*

Avistei o prédio do Jornal Fato&Vida bem próximo à estação em que saltei, só bastava atravessar uma passarela. Era alto, com cerca de dez andares e a parte frontal era coberta por azulejos quadriculados brancos e pretos. As janelas eram todas fumês. Por dentro, fui indicado por uma recepcionista a ficar em uma sala de espera ampla e confortável. Deviam haver cerca de cinquenta candidatos à vaga aguardando serem chamados para a entrevista que olhavam para mim como se eu fosse o ser mais esquisito da face da terra. É claro! Não é todo dia que uma pessoa aparece toda ensopada para uma entrevista de emprego e por isso resolvi não me sentar para evitar que molhasse o assento. O Jornal Fato&Vida era bastante conceituado e um dos mais procurados para se alcançar o sucesso profissional. Eu iria dar tudo de mim.

Após uma espera angustiante finalmente fomos separados em grupos de dez pessoas e paramos em uma sala onde só haviam cadeiras pretas e uma mesa cujo entrevistador estava sentado. Ele era um homem de altura mediana, bastante magro, com cabelos brancos e pele morena que se introduziu como Carlos Alberto e que, aparentemente, foi o único que não se importou com a minha atual situação "pós-chuva". Explicou-nos que faríamos uma prova contendo questões específicas e uma redação, em seguida participaríamos de uma dinâmica em grupo.

As provas foram distribuídas uma a uma. Percebi que havia uma câmera dentro da sala, o que deixava claro que se alguém tentasse colar poderia não passar adiante no processo seletivo, já que o nosso comportamento era monitorado desde que chegamos ao prédio. Tentei manter a calma até o último segundo e concentrei-me ao máximo para solucionar as questões, pois, apenas era permitido o uso de uma caneta azul e rasuras eram proibidas. Se eu errasse, tudo estaria perdido.

A redação rodeava a temática do jornalismo atual e tínhamos que desenvolver um texto dissertativo argumentativo sobre o que pensávamos da imparcialidade dos jornalistas por pontos de vista negativos ou positivos.

Trabalhei em uma pequena agência de comunicação no Rio de Janeiro, lá adquiri muita experiência no setor. Agora buscava me tornar um jornalista investigativo renomado, trabalhando em casos de grande repercussão na televisão e outros meios de comunicação. Só havia uma vaga disponível para toda aquela gente. Meu conhecimento seria usado como a maior arma contra meus concorrentes.

Para a redação, defendi a ideia de que a imparcialidade era aceitável, de maneira que não interferisse na veracidade da notícia ou que a opinião e posicionamento do jornalista não tivesse mais destaque que a informação; Ou que o maior objetivo não fosse influenciar alguém a um determinado pensamento ou julgamento. Além disso, seria bom que o jornalista tivesse empatia e soubesse demonstrar certos sentimentos quando lidasse com notícias trágicas. Afinal, ouvir os dois lados é importante, mas o lado da vítima comumente é o que conta mais. Cada linha do texto fluiu naturalmente e quando me dei conta, tinha sido o primeiro a terminar a prova e a redação.

Fixei meus olhos no relógio digital embutido na parede. Eu havia terminado tudo em apenas vinte e cinco minutos. Meus dedos doíam porque escrevi rápido completando todas as vinte linhas. O entrevistador não tirava os olhos de mim e ninguém se atrevia a espiar para o lado. Aguardei mais de meia hora em silêncio, esperando que todos terminassem para que déssemos continuidade ao processo seletivo.  

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⏰ Last updated: Jul 05, 2018 ⏰

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