Capítulo 5 (Parte final)

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Allegra. Claro.

- Querida, cheguei! - ela gritou.

Isa levantou-se rapidamente e foi receber a amiga, que trazia o jantar. Quando olhou para o grande relógio, acima do aparador, ela levou um susto: já passava das 21:00.

- Pelo visto você fez hora extra - Isa disse enquanto observava Allegra colocar suas coisas, e o jantar, em cima da mesa e se jogar no sofá. Fechando os olhos.

- Pelo visto você tem 60 anos - Allegra disse quando abriu os olhos e viu Isa de pijama - achei que estaria em um dos nossos bares favoritos. Você sempre vai para um deles quando tem uma decepção amorosa.

- Estive ocupada - Isa disse e sentou-se ao lado dela.

- Fazendo?

- Lendo.

- Pelo visto você tem 80 - a amiga disse tirando os sapatos e perguntou - E ai, tudo certo com o Edo?  Eu ia ligar para confirmar, mas tive uma reunião de última hora e depois eu acabei esquecendo.

- Ah, sim. Tudo certo. Ele não ficou muito satisfeito.

- Eles nunca ficam, não é?

Isa assentiu.

- O que você trouxe para o jantar?

- Fritas e hambúrgueres, eu achei que a gente merecia uma premiação pelos acontecimentos da última semana.

- Você transando em um banheiro e eu levando um fora sem nem mesmo ter tido alguma chance, você quer dizer?

- Não, a gente brigando e depois fazendo as pazes - Allegra respondeu, fazendo uma careta de deboche.

Isa mostrou a língua.

- Vai tomar banho, vou pegar os pratos - ela disse.

Allegra voltou para a sala 15 minutos depois. Após o jantar, e de jogar muita conversa fora, as duas estavam satisfeitas e cansadas. Allegra de trabalhar e Isa, bem, Isa estava cansada.

- Depois de junk food, que tal junk TV? - Allegra propôs.

Nos raros momentos em que estavam em casa, e sem vontade para sair, as duas passavam horas assistindo o pior tipo de programa de televisão que já existiu: reality shows. Claro que elas só diziam isso quando alguém as pegava discutindo sobre a vida amorosa de Candy e Jessie, as protagonistas de uma série sobre a vida de duas desmioladas da Califórnia que trocam de namorados, como quem troca de roupas. E claro que elas amavam cada minuto dos diálogos vazios e das expressões nada realistas.

- Acho que não - Isa respondeu, já pensando nas cartas, nas palavras e no que poderia ter acontecido depois da primeira vez deles.

- Já vai dormir? - Allegra perguntou sem acreditar.

- Não...- Isa pensou se contava ou não sobre as cartas. Allegra não era muito fã de histórias de amor.

- Ah, tanto faz, eu vou ver um filme no meu quarto - a amiga disse saindo da mesa, sem esperar uma resposta.

Melhor assim, Isa pensou. Ela não precisava das ironias e dos comentários de Allegra para estragar seus momentos com Anna e Bene.

Isadora voltou à mesa, se recostou na cadeira e voltou a sua viagem no tempo. Nos dias que seguiram a primeira noite de amor dos dois, Bene mandou poemas e declarações, mandou músicas e descreveu uma noite em que os dois quase foram pegos pelos pais de uma das amigas de Anna, que cedia a casa para que os dois se encontrassem. 

O bilhete que seguiu o encontro quase desastroso fez Isa se mexer na cadeira desconfortável, as coisas começavam a desandar para eles.

9 de Agosto de 1945 

Amore mio,

Ainda não consigo acreditar que o seu pai foi o responsável. O que me tranquiliza é que sei que ele não fará nada contra você.

Devo ser breve porque tenho a impressão de que todos aqui estão me observando mais do que o necessário, se entende o que quero dizer.

Ti amo come nessuno ha mai amato,

Bene

De início, ela não entendeu muito bem. Mas depois percebeu que a próxima carta ela já havia lido, era aquela datada de 12 de Agosto. Bene estava em algum lugar se recuperando. Provavelmente o pai de Anna preparou alguma coisa para ele. Uma surra talvez? Sentiu uma sensação ruim quando passou a mão pelas cartas que faltavam. Antes de continuar, revirou a pasta e os envelopes, para ter certeza de que não tinha deixado nenhuma para trás.

Um desespero automático tomou conta dela enquanto procurava mais cartas, já entendendo que as poucas que sobraram não dariam conta de contar o fim daquela história.

Constatando que não havia qualquer sinal de mais cartas, Isa pegou o próximo bilhete e, pela data, muita coisa poderia ter acontecido. Muita coisa que ela jamais entenderia.

5 de Setembro de 1945 

Amore mio,

Finalmente consegui sair daquela prisão e a primeira coisa que fiz foi pedir papel e caneta para avisá-la que estou bem; e mais forte do que nunca. Espero-te no nosso lugar especial. Leve o tempo que precisar.

Ti amo come nessuno ha mai amato,

Bene

O casebre, claro. Onde ficaram juntos pela primeira vez. Isa tinha certeza de que Anna tinha entendido.

Infelizmente, ela também já tinha lido à próxima. Dia 15 de Setembro. Bene ainda acreditava que poderia conseguir a aprovação do pai de Anna, era triste pensar que só ele não percebia que o pai dela jamais daria sua benção.

Ela começou a torcer para que eles tivessem fugido para qualquer lugar, o Brasil, quem sabe? Não dava mais para continuar em Roma se eles quisessem ter alguma chance, só assim aquele amor daria certo.

Com o coração apertado, ela leu o último registro do amor dos dois.

22 de Setembro de 1945

Amore mio,

Algo deu errado, lembra-se da dona daquele lenço que você tanto usa? Ela o quer de volta. Esta noite.

Ti amo come nessuno ha mai amato,

Bene

E foi assim, com apenas duas linhas que Isa viu sua noite romântica se transformar em perguntas sem respostas. Quando deitou, depois de ter relido todas as cartas, ela tinha tomado uma decisão: faria o que fosse preciso para descobrir o fim daquela história.

Duas Vezes em RomaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora