Capítulo Único

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Olá, me chamo Gaspar. Rei Gaspar, ao seu dispor. Sou um leão, automaticamente, o rei da selva. Não sei quando ou o porquê desse título de realeza, mas, sempre gostei dos privilégios que os monarcas desfrutam. Porém, como rei, precisava fazer algo que detestava: resolver os problemas dos meus súditos. É exaustivo ter toda a responsabilidade do reino nas costas! Ao final do dia, após bancar o advogado de defesa, de acusação, juiz ou mediador, sempre ficava muito cansado, sendo assim, me dava ao luxo de tirar pequenos momentos de descanso embaixo de uma imensa acácia – minha árvore favorita de toda a Savana.

Em uma tarde extremamente quente, após cumprir –sem vontade – minhas responsabilidades diárias, me dirigi a minha querida e frondosa acácia, para descansar. Nada mais justo! Porém, o calor excessivo derreteu o cabo da internet e a operadora estava em pane, não tive como usar o WhatsApp para ficar mandando bobeiras no grupo da família, então, o jeito era dormir. O que não seria má ideia, afinal, o trabalho realmente tinha me deixado exausto. Me ajeitei embaixo da acácia, e dormi o sono dos justos.

Com o sono agitado devido ao calor enorme que fazia ali me trouxe um pesadelo horroroso: eu era vegetariano. Sim, VEGETARIANO! Do tipo que adorava frutas, vê se pode!

Lá estava eu, embaixo de um enorme pé de jaca com frutas enormes em seus galhos. E eu salivava por uma jaca daquelas. Eca! Um leão comendo jaca?!? Eu queria por que queria uma jaca daquelas, e comecei a saltar para pegar a fruta, só que calculei mal o pulo, o que era imperdoável – os primos guepardos saltam melhor do que nós leões, mas, ainda assim sou um felino, não deveria ser tão difícil pular atrás do meu objetivo. O que os primos diriam de mim? – Após vários minutos e tentativas frustradas, finalmente alcancei o galho e dei uma patada em uma das jacas para que esta caísse e eu pudesse me deliciar.

Novamente, a logística me atrapalhou, e a jaca deliciosa que deveria cair no chão, não caiu no chão. Até caiu, mas, não no chão... senti primeiro a tontura, depois, a dor insuportável, mas, ainda assim, agarrei aquela fruta e me deliciei com seus caroços me lambuzando completamente.

Acordei apavorado, que pesadelo horrível! Me sentei arfando mesmo antes de abrir meus olhos. Abrir nada, arregalei mesmo, estava assustado demais, e enquanto puxava ar para meus pulmões, fixei meus olhos na enorme sombra à minha frente. Agora, além de assustado eu estava paralisado: era um monstro horrível! A saída era apenas uma: gritar!

Com todo o fôlego que eu tinha, abri a boca e gritei apavorado! Como o grito de um leão é um rugido alto, essa era a minha chance de tentar afastar o monstro. E qual não foi a minha surpresa ao notar um grupo de ratinhos assustados ali? Os ratinhos com muito medo, pediam perdão e faziam mesuras sem parar, e eu, como um rei forte e poderoso, precisava manter minha postura de autoridade furiosa – só que não – e benevolente também. Perdoei os pequenos roedores e ainda dei uma esnobada, afinal, aparência é tudo!

Em uma noite chuvosa, novamente sem internet, os relâmpagos e trovões se intensificaram enquanto eu estava do lado de fora do meu covil, e eu fiz o que qualquer animal sensato faria: saí correndo! Qual é o problema? Sou um felino, não gosto de água! Corria desesperado para a minha toca, precisava me abrigar para que meus pelos não ficassem molhados, eriçados, emaranhados e eu pegaria um grande resfriado. E um monarca resfriado não impõe o respeito necessário.

Perdido nesses pensamentos, não notei a armadilha perto da toca, e quando deu por mim, já estava completamente enredado. Apavorado, comecei a rugir – eu não queria virar tapete, isso nunca – rugia e rugia, cada vez mais assustado, e meus súditos ficaram com muito medo do que estavam vendo e correram para suas tocas. Eu rugia cada vez mais, e mesmo soando assustador, eu estava era amedrontadíssimo. Eu assumo: sou um banana! Me debati tanto, que cansei e resolvi esperar pelo pior. Que viesse o caçador e me levasse, que fizesse de mim um tapete para que pequenos humanos deitassem em mim e adultos humanos me pisassem com seus pés feios. Nesse momento de devaneios, e com a chuva já mais fraca, notei uns ratinhos se aproximando. Aquele mesmo grupo de roedores do dia do pesadelo sob a acácia.

Eu nem tinha forças para repelir os pequenos, mas, não queria que rissem de mim, precisava mais uma vez colocar a máscara de durão, de rei forte e poderoso, e foi o que tentei fazer. Mas, eu estava cansado. Muito cansado, e só queria que tudo acabasse. Respirei fundo e abri minha boca enorme, preparado para mandá-los embora rispidamente. Iria morrer com minha vergonha, não queria testemunhas, mas, os ratinhos ficaram ali. Parados. Apenas me olhando. Silenciosamente, eles subiram por minhas cordas e roeram as mesmas me libertando.

Me senti tão envergonhado! Parecia que tinha tomado uma patada de elefante no meio da cara. Recebendo ajuda de seres tão mirradinhos? Agradeci aos pequenos, que guardaram meu segredo, eles não contariam a ninguém que seu monarca era um covarde da maior categoria. Nomeei os pequenos roedores meus conselheiros reais para provar minha gratidão eterna e mudei alguns hábitos: não fico mais tanto tempo na internet, investi em aulas de autodefesa com os orangotangos, aprendi a fazer nós com as serpentes, praticava corridas com as zebras e meus conselheiros sempre me ajudavam com questões importantes da Savana. Não sou mais tão medroso – apenas precavido – e agora nossa sociedade vive em paz e harmonia. Procuro ser um rei justo, como foi meu velho tio Aslan, que vivia nas longínquas terras e sempre dizia mais ou menos assim: "coisas extraordinárias só acontecem com quem é extraordinário!"

E esse tem sido meu lema de vida!

O Monarca da SavanaWhere stories live. Discover now