Capítulo 4

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Dormi mal. Mas resisti à tentação de verificar até que horas Anthony havia ficado acordado, escrevendo. Levantei cedo, com o sol raiando e, mal me vesti, resolvi passar pelo quarto dele. Ao abrir a porta, uma nova surpresa me aguardava: sua cama estava intacta. Ele não havia subido para dormir!

Com o coração apertado, desci as escadas correndo. Com um suspiro de alívio, vi que ele ainda estava sentado à escrivaninha, determinado a cumprir a tarefa imposta por mim. Os ombros estavam curvados e havia olheiras acinzentadas debaixo de seus olhos. Os dedos da mão direita, que usava para escrever, estavam sujos de tinta e de sangue.

— Anthony... — murmurei.

Ele não ergueu os olhos. Apenas contava.

—Novecentos e noventa e três...

Durava uma eternidade passar de um número para o outro. Seu braço devia estar doendo muito, assim como seus dedos. Tive de me controlar para segurar as lágrimas até chegar ao final. Pareceu demorar mais do que nos números anteriores. Finalmente, ele fechou o livro e me entregou.

Eu não queria tocar naquilo. Fosse inverno, ele teria ido parar na lareira acesa, tamanha a minha aversão de tocar em algo que havia causado tamanho sofrimento ao meu filho. E a mim também, pois, a determinação de Anthony, sem querer, havia transformado em uma punição para mim o castigo que eu mesma impus a ele. Mas não houve jeito de evitar o livro. Anthony continuava estendendo-o para mim e eu não podia ignorá-lo.

Tentei tocar o rosto sujo de tinta do meu filho, que se encolheu como um animalzinho ferido. Respeitei sua mágoa e recolhi a mão.

—Você comeu alguma coisa? —consegui perguntar.

Ele fez que não com a cabeça.

—Bebeu, pelo menos?

— Um pouco de água.

—Deixe-me limpar seus dedos, meu filho.

—Não precisa.

— Estão machucados.

Ele sacudiu a cabeça, como se aquilo não tivesse importância. E pediu:

—Posso ir para o meu quarto?

Eu fiz que sim, tentando disfarçar as lágrimas que começaram a correr dos meus olhos. Mas acho que ele estava tão exausto que nem percebeu. Deixei que fosse embora e desabei na cadeira do escritório, chorando.

Depois de algum tempo e uma boa xícara de chá, consegui me refazer o suficiente para subir as escadas, levando comigo toalhas limpas e uma bacia de água morna.

Abri a porta do quarto de Anthony devagar. Ele estava dormindo por cima das cobertas. Não havia nem trocado de roupa. Só conseguira tirar os sapatos.

Pousei a bacia na mesa de cabeceira. Delicadamente, peguei sua mão direita, limpando, da melhor forma possível, os machucados deixados pelo castigo. Mesmo no sono, ele se encolheu um pouco.

Beijei sua testa e acariciei seu rosto, reparando que lágrimas haviam aberto caminho em meio às manchas de tinta que seus dedos cansados deixaram em sua face. Com água morna, limpei suas bochechas também.

Peguei uma manta no armário e cobri-o, murmurando:

— Desculpe-me, meu filho. Fui muito dura. Mas você, às vezes, me tira do sério...

Puxei as cortinas das janelas para escurecer o quarto e desci com a bandeja. Sabendo que era provável que a fome não o deixasse dormir muito tempo, subi mais uma vez e deixei no quarto uma bandeja com comida. Também escrevi um bilhete, que coloquei, de forma visível, na bandeja.

Meu filho

Acredito que esteja com fome ao acordar. Coma o que desejar. Quando puder, venha falar comigo.

Mamãe

Mil vezesWhere stories live. Discover now