Capítulo 1

754 44 1
                                    

           

Foi no verão de 1793 que percebi, com clareza, o quanto meu filho mais velho podia ser desafiador. E o quanto nós dois, igualmente, podíamos ser orgulhosos, teimosos e, sim: fortes, também.

Anthony tinha oito anos. Era o rei de Aubrey Hall. Dominava cada um de seus recantos com a confiança que ainda faltava a Benedict, então com seis, e que Colin, ainda com dois, custaria a alcançar. Daphne, então, nem se fala: na época não contava nem um ano de vida.

Anthony não reinava sobre Aubrey Hall apenas por conhecer todos os seus segredos, entradas, saídas e histórias. Ele era o rei porque era a sua casa. Por direito e por amor. Ele adorava aquele lugar e sofria quando íamos passar a temporada em Londres, estendendo sua insatisfação aos irmãos mais novos. Para amenizar o sofrimento das crianças (e o meu também, para ser fiel à verdade, já que era torturante tê-los de mau-humor), eu concordava em retornar no mês de julho, quando o calor tomava conta da capital e o clima de Kent parecia muito mais atraente do que o movimento sufocante da ton.

O episódio começou de forma quase insignificante: uma discussão tola sobre um passeio. Edmund estava fora, inspecionando outras propriedades. E Anthony meteu na cabeça que daria conta de sair sozinho para dar uma volta a cavalo, coisa que ainda não tinha autorização do pai de fazer.

— Não — foi a minha resposta. —Sozinho, não.

— Posso levar Benedict.

—É claro que não! Nem pense nisso.

— Mamãe, eu vou fazer nove anos. A senhora não pode me tratar como se eu fosse um bebê.

Tentei não rir da sua noção de maturidade e expliquei:

— Seu pai não está em casa. Pode ser perigoso.

—Vou mandar, então, que um criado me acompanhe.

Prático. Cheio de atitude. Eu poderia até admirar a forma como ele solucionara o problema, se a frase não tivesse sido dita em um tom arrogante, de quem tem consciência de que aquilo tudo, na verdade, já lhe pertencia.

— Os criados estão ocupados consertando o telhado e preparando a casa para receber as visitas, daqui a alguns dias.

Ele sabia que a última chuva havia causado alguns transtornos inesperados, como algumas telhas arrancadas. Também já era ciente da preparação exigida para receber convidados e costumava respeitá-la. Mas, mesmo assim, insistiu:

— Há de ter alguém que possa dar uma volta comigo.

De repente, me pareceu muito importante ganhar a discussão daquele incipiente projeto de visconde. E eu neguei:

— Não, Anthony.

Mas ele já estava fazendo menção de deixar a sala, fazendo planos, como se não tivesse me ouvido:

— Já sei até quem chamar!...

— Anthony! — ralhei, subindo o tom de voz o suficiente para fazê-lo parar. —Eu disse não!

—E eu disse que posso dar um jeito!

Fiquei de pé com a intenção de intimidá-lo, me aproveitando do fato de que a minha altura ainda era superior à dele. Era preciso aproveitar essa vantagem, que não tardaria muito a desaparecer.

— Eu disse "não", Anthony. E quem manda aqui sou eu, não você.

Encaminhei-me para a porta, fazendo questão de ter não só a última palavra, mas também a primazia de deixar o local. Estava de costas quando ouvi a voz dele chegar por trás, clara, desafiadora, sem nenhuma hesitação:

—Mas, um dia, quem vai mandar aqui sou eu. E quando isso acontecer, eu vou andar a cavalo na hora que quiser andar, com quem eu quiser!

Girei nos calcanhares, irritada. Por nada. Aquilo era coisa de criança. E por tudo. Ele era muito novo para eu perder uma discussão (e as rédeas) desse jeito. Mas a verdade é que, em parte – em grande parte – porque meu orgulho foi ferido, eu ordenei, sentindo que meus olhos deviam estar soltando faíscas:

— Para o seu quarto! Agora!

Ele chegou a respirar fundo para dar uma resposta. Não deixei que chegasse nem na primeira sílaba.

— Agora, Anthony! Você está de castigo até a hora do jantar.

Ele mordeu o lábio inferior. Provavelmente, para conter uma resposta atrevida que já devia estar pronta para sair. Ergueu o queixo, como se estivesse me desafiando para um duelo e, em seguida baixou a cabeça. Não em sinal de humildade (nunca!), mas como um touro novo prestes a investir contra alguém. Não sei como ele conseguiu se controlar. Só sei que saiu pisando duro em direção às escadas sem dar uma palavra.

Mil vezesजहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें