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Miami, 2016

Gregory Mazza

Termino de abotoar os três últimos botões da minha camisa branca. Perpasso as mãos no meu cabelo para arrumar o desalinho ao qual se encontrou. O cofre ainda está aberto. Escancarado, na verdade. É como se um ladrão houvesse arrombado a minha casa e levado tudo. Mas fora apenas a Tess descobrindo a minha alma.

A tapeçaria ao chão está completamente em desordem, como se um furacão tivesse arrastado tudo — reflexo do que acabou de acontecer na minha vida. O cheiro da minha mulher ainda está no meu corpo. Suas lágrimas ainda molhadas na minha roupa, só para deixar registrado o quanto as consequências são inevitáveis.

Não há mais sol no horizonte, já começa a anoitecer. Não sei como será a noite até amanhecer de novo, provavelmente longa. Me sinto anestesiado, é como se meu corpo não respondesse às minhas reações. Meus estímulos estão travados como um motor enferrujado. Voltei à estaca zero novamente, como sempre tem acontecido na minha vida.

É hora de reagir!

Subo às pressas ao segundo andar, afim de buscar as minhas roupas no closet. O quarto intacto. Ali não houve dano algum, embora saiba que o significado daquele espaço mudou. Não seria mais a mesma coisa, não sou nenhum idiota para mentir para mim mesmo, dizendo que tudo parece normal, porque não é verdade. Coloco as minhas roupas dentro de malas, desarrumando completamente o lugar. Apenas pego o necessário, o bastante para poder me manter afastado por uns tempos. Vou até o escritório, terminando de esvaziar o cofre, pegando dois pacotes de euros.

Quando o barco está à deriva, você tem duas opções: Ou você morre naufragado, ou abandona o barco, em busca de sobrevivência. Uma segunda chance. É tudo que preciso. Um momento solitário para que eu possa pensar direito como devo reagir a mais este golpe. Minhas ideias estão confusas, preciso me restabelecer.

A ida até a Mazza Undertaking é tão rápida e mecânica que nem me dou conta direito que já estou subindo até o andar da presidência depois de sair do elevador, caminhando em direção à minha sala.

Ao passar pelo o hall da segunda recepção, sou bloqueado por Karen preocupada, pedindo por explicações que não lhe diz respeito.

"Não se preocupe, Karen. Está tudo bem." Forço um sorriso, mas não a convence.

"Eu vi o jeito que saíram daqui. Sua esposa estava chorando e o senhor, completamente abalado. Do jeito que está agora. Se tiver alguma coisa, qualquer coisa que eu possa fazer para ajudar, Sr. Mazza, não hesite em me pedir."

Karen é uma secretária maravilhosa, sempre atenta aos meus compromissos. Cuida da minha agenda como ninguém. É dedicada e claro, tem uma queda avassaladora por mim. Todas têm, não é novidade nenhuma. Adoro este tipo de atenção. A admiração me contagia, me sinto capaz de ser quem eu quiser. Porém neste momento me irrita de uma forma absurda. Tudo que quero é que suma da minha frente para que eu possa resolver o que preciso.

"Quero que mande Miguel para a minha sala agora. É só o que eu quero, Karen." A secretária se treme com o meu tom pausadamente autoritário.

Gosto de deixar as pessoas sem saber como agir diante de mim. Mulheres com sentimentos platônicos são todas iguais. Quando você abre um sorriso, se derretem toda, mas quando você mostra seriedade, ficam mil vezes mais loucas por você.

Não é o meu propósito. Estou concentrado demais para perder o meu tempo mexendo com a cabeça das mulheres.

Quando entro em minha sala, sentando-me no meu trono, ainda posso sentir a alma pulsante do desejo do homem que teve fibra para construir tudo isso. É tudo meu! Reafirmo o fato todas às vezes que adentro o prédio, e mais ainda sentado aqui na minha sala. Sou o rei de Miami, e não há nada que possa mudar isso. Mesmo o mundo sabendo o que fiz, mesmo assim, ainda sou a porra do homem que colocou comida na mesa de todos eles.

Força e Razão - Degustação ( Retirado dia 17 de Janeiro de 2019)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora