Capítulo 1

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Capítulo 1

Lary não estava brincando. Ela queria que eu fosse para o colégio com um casaco rosa.

– Mas você não é gay? – ela soltou a fumaça do cigarro pela boca e nariz.

– Sim, mas eu não preciso pedir pra sofrer bullying no primeiro dia de aula.

– Eu quebro a cara de quem disser alguma coisa com você – ela piscou pra mim e girou a chave do carro, ligando o veículo.

Não escondi o sorriso torto que se formou no meu rosto. Eu sentia falta da minha irmã durona e desaforada que não se importava com absolutamente nada. Ela foi a primeira a descobrir sobre mim. Eu tinha doze anos na época e esqueci de trancar a porta antes de me despir e começar a... me acariciar. Até aí tudo bem, qual garoto não faz isso? Okay, mas não com um pornô gay sendo exibido na tela do computador. Eu arregalei os olhos e congelei quando a porta foi escancarada por ela.

– Hum... termina aí logo que preciso falar com você.

– Você não vai falar nada? – sussurrei ainda parado e com as bochechas pegando fogo.

Ela apenas deu de ombros e saiu. Eu não consegui terminar, claro. Achei que Lary fosse mudar o tratamento comigo ou me enxergar diferente, mas minha irmã continuou como sempre foi, na verdade ficou somente um pouco mais protetora em relação a minha pessoa, pelo menos no tempo em que ficou conosco em Salvador.

Mas agora Lary morava em Juazeiro, interior do estado. E por medidas emergenciais, eu vim morar com ela.

– Você não vai voltar pro armário aqui, né? – ela passou a marcha do carro após cruzarmos uma lombada.

– Claro que não. – me apressei a falar. – Apenas não quero atrair atenções logo no início.

Alguns segundos de silêncio.

– O colégio tem vôlei.

Olhei para ela empolgado, mas Lary não podia tirar a atenção do trânsito, embora tenha visto minha cara de bobo feliz pelo canto do olho e contorcido a boca em um riso.

Chegamos em alguns minutos. Pelo vidro fumê do fiesta de Lary pude ter as primeiras impressões externas do meu novo colégio. Era revestido por blocos de cerâmica branca e fosca. Deduzi ter um metro quadrado cada bloco. Duas janelas compridas denunciavam haver um andar além do térreo, e letras grandes sobre uma placa de vidro exibia o nome Colégio União ao lado de uma logomarca redonda com três corvos negros.

– Te pego as 12h. – disse Lary.

– Tá.

Desci do carro e observei as pessoas em volta enquanto apoiava a mochila nas costas. Estudantes se abraçavam, conversavam alto e alguns deles trocavam caricias na porta do colégio. Era o primeiro dia de aula após as férias de junho. Para eles, uma volta comum depois do recesso do São João. Para mim um recomeço após a humilhação que passei na capital, me obrigando a mudar de cidade.

Lary arrancou o carro e, cantando pneus, deixou o colégio. Isso provocou alguns olhares para o carro e para mim em seguida. Confesso que me senti um pouco desconfortável, afinal eu não tinha boas experiências com olhares fixos direcionados a minha pessoa.

Havia um rapaz loiro que praticamente devorava a boca de uma garota com a sua. Ele vestia uma regata branca com os dizeres ''Eu sou o cara'' nas costas. Seus músculos foram a razão de eu perder tanto tempo olhando para ele. Seu rosto eu não pude ver, pois como falei, ele estava comendo a boca da menina. Passei pelos portões de vidro e adentrei a recepção do União. Uma moça sorridente me cumprimentou:

– Bom dia, querido. Que cílios lindos! – ela exclamou, mas tive certeza que queria dizer você passou rímel antes de vir pra escola!

– Bom dia. Hum... obrigado. – desviei meus olhos dos dela. – Pode me informar onde fica o terceiro C?

A moça demorou a responder, o que me fez encará-la novamente para me certificar que ela tinha me ouvido, mas ela me observou de cima a baixo como se fosse possível medir cada parte do meu corpo com seus olhos.

– É a terceira sala do lado esquerdo no corredor.

Assenti com a cabeça em agradecimento e iniciei a procura da minha sala. Lâmpadas longas de cor branca iluminavam o corredor. Haviam bancos de cimento em toda parte, a maioria deles ocupados por pessoas que certamente usufruíam do wifi da escola. Todas as portas das salas eram pintadas de amarelo e tinham uma placa branca indicando a série e a logomarca do colégio ao lado. Logo achei minha sala.

– Fala sério, Lucas, você dormiu as férias inteiras! – ouvi uma voz masculina vindo de dentro.

– Claro, os treinos eram de noite.

Parei na entrada. Só tinham dois garotos na sala. Um deles era bem alto e estava sentado em cima da mesa do professor de braços encruzados. Ao me ver, adotou uma expressão como se mastigasse pimentas. O outro menino, curioso pra saber o que o amigo tinha visto, seguiu seu olhar, virando o rosto em minha direção. Ele era lindo. Lábios rosados, olhos azuis e cabelos loiros. Tive a sensação de estar olhando para Tommen, de Game of Thrones.

– Credo – disse Lucas.

Sério, que mal tem em usar maquiagem? Que mal tem em ser um pouco vaidoso? Pela forma como me olharam parecia que eu estava cheio de sangue.

Movi minhas pernas novamente com muito sacrifício. Bonito, mas homofóbico. Realmente uma pena. Sentei-me na ultima cadeira do canto da sala, exatamente na junção entre duas paredes. Os dois meninos retomaram sua conversa e a sirene tocou. Não demorou muito para garotas escandalosas preencher a classe, e demais garotos entrarem, inclusive o que usava a camisa de regata com aquela frase escrota atrás.

– Tem um menino novo! – gritou uma garota com um piercing no nariz, apontando para mim.

– Awn, ele é fofinho – disse outra ao lado dela.

– Qual o seu nome, bebê? – uma ruiva se aproximou.

Eu queria enfiar minha cara num buraco. Talvez o casaco rosa que Lary queria que eu usasse não fizesse diferença alguma já que eu era o centro das atenções sem ele. Na verdade ele faria sim, o ar condicionado da sala me congelaria até o horário da saída.

– Gabriel – falei baixinho e a ruiva sentou na cadeira ao lado. A de piercing sentou no braço da minha cadeira e ficou tão próxima de mim que precisei recuar um pouco.

Eu sentia os olhares dos garotos sobre mim, querendo me comer vivo. As meninas que me cercavam eram lindas, principalmente a morena de piercing. Mas o motivo da ira dos meninos não era porque elas conversavam comigo, mas sim o que eu era. Eu conhecia aqueles olhares. Era atingido por eles todos os dias no colégio Conisberg até finalmente não aguentá-los mais e fugir para cá.

– Belo nome, igual ao seu rostinho lindo – a ruiva piscou para mim. – Meu nome é Rita.

– Prazer, Rita – eu não olhei para ela. Eu encarava o musculoso de regata, que fechou um punho e bateu com ele na palma da outra mão, prometendo pra mim através daquele gesto que meus últimos seis meses naquele colégio não seriam fáceis. A morena de piercing seguiu meu olhar e cruzou os braços pro cara.

– Perdeu alguma merda aqui, Leandro? – ela falou em um tom intimidador e por um momento lembrei da minha irmã.

Leandro. Esse era o nome dele. Engoli em seco. Em uma luta corporal com aquele cara eu saia totalmente arrebentado.

– Ignora ele, tá? – a morena estirou a mão para mim. – Lorena.

– Prazer, Lorena – apertei sua mão e sorri para ela. – Posso te chamar de Piercing?

Arrependi-me no mesmo instante de fazer aquela pergunta idiota, mas para minha surpresa, Lorena exibiu seus dentes brancos e falou:

– Claro, Biel.

Soltamos nossas mãos. Tive a impressão de ter feito minha primeira amizade no colégio União. 

Diário do BielWhere stories live. Discover now