A verdade absoluta

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"Não começou

existia

Apenas tomou forma"

Tamanha força sem forma existia de forma descabida e sem medidas, paradoxal, indescritível para a mais criativa das mentes. Jamais vista, mas sempre sentida. Tamanha verdade era absoluta e solitária, detentora de todas as leis que regimentam do menor ao maior sem exceções.

Foi em um momento entre o eterno e o interminável que a verdade se rompeu.

Nada existia em forma então. E a cisão mudou isso. Duas faces de uma mesma verdade vieram a ser. Luz e Treva

E o rompimento, não por criação planejada, mas por consequência, trouxe Caos.

E foi Caos o começo da matéria. No Caos o físico surgiu, desordenado no vazio, aonde antes habitava apenas a verdade. Da matéria em colapso, o Caos se acalmou, e assim surgiu Ordem. E o vazio já não era vazio nem o Caos era caótico nem a verdade era uma só. Havia ordem pela primeira vez. E assim as verdades vieram a ser.

Surgiram astros de calor e frio. E a matéria tomou formas por todos os cantos, e das formas sem nome havia beleza e horror, criação e destruição, mas as verdades ainda não estavam ali. Em realidades diferentes, mas interligadas, a matéria e as verdades eram sem se conhecer, não havia como. Não havia caminho.

Então o receptáculo da verdade, já sem poder conter as verdades, transmutou-se em decorrência das consequências de todas as mudanças. Era impossível permanecer estático. E assim surgiu uma ponte entre o incorpóreo e o material, chamado-foi de véu o elo entre luz treva e matéria. Mas as verdades ainda eram incorpóreas e imateriais, diferente do Caos, que surgira como consequência da cisão, a verdade não era o resultado de nada. Era a verdade e apenas, e agora eram duas.

Então, sozinha, a luz navegou pelo véu, beirando lineares até se distanciar tanto da treva que caiu pelas beiradas como matéria, e no Caos que ganhava ordem calor e frio surgiu algo tão alheio ao universo em que tudo existia que pela primeira vez houve estranhamento. Naquele instante fundiu-se as realidades.

Entre material e imaterial dez faces se olharam, silenciosas e em paz, espectros de uma mesma verdade. A pura luz em fuga da irmã-gêmea treva havia se dividido em partes iguais por nenhuma razão e ainda assim por motivos desconhecidos, recaído pelo véu, e alcançado a forma de vida material.

A verdade, rompida em duas metades, e desta metade rompida em dez, fragmentou-se. Mas a treva não. Intrínseca continuava integra e inteiriça, maciça e poderosa, mas ingênua em relação a outra metade. Atravessou o véu em algum momento entre o eterno e o interminável, bordeando os limites lineares, despencando no Caos, a treva foi recebida pelos dez espectros da luz, que já habitavam ali por tanto tempo que talvez fosse tempo nenhum e talvez fosse sempre.

A luz, que quando habitava no imaterial junto da treva em uma só entidade chamada verdade, sabia que aquela realidade além do véu era moldável, sabia que haveria tempo, e que haveria possibilidades, mas acima de tudo, a luz conhecia a treva, pois eram antes uma coisa só. E os espectros em consenso sabiam que a treva destruiria tudo que pudesse ser belo, pois era isto que a treva era.

Então os solertes espectros usaram de paleio para convencer com argúcia a treva a segui-los. E a treva, embora refece, nunca antes ali havia estado e sendo cheia de puerilidade como a luz outrora fora quando estivera ali pela primeira vez, foi sem desconfiar ao embuste intrujado por sua metade inversa. E ambas as verdades caminharam juntas uma vez mais, mas por pouco, pois então a luz caminhara sozinha, e a treva caminhara não mais.

Ato tão ignóbil dos espectros fora movido por temor, mas injustificável às desconhecidas leis que regimentavam a verdade antes da cisão. A luz jamais temeria a treva, pois eram gêmeas em tamanho e poder, mas quando dividida em espectros, cada um individual, pequeno, via a treva como grandiosa, e por medo encerraram a gêmea em forma física em indizível prisão para que de lá jamais saísse, porém, sem que soubessem, quando propuseram-se a tarefa vil de engazopar metade da verdade, tornaram-se sujos, imperfeitos, pois eram luz, bondade e harmonia. E assim entre luz e treva nasceu, impregnando o véu como consequência, algo que jamais fora explicado ou entendido. Uma terceira verdade. Nem ruim nem boa, nem pura nem imunda, nem certa ou errada.

E daí surgiu, por consequência, mas não por desejo dos espectros, vida!

Os dez espectros sabiam que a vida era poderosa, não como eles, mas de certa forma eram o sopro do véu como uma terceira verdade que não compreendiam, e isso era poderoso. Portanto, quando puderam, moldaram a vida com garbo, para entender e controlar aquilo que desconheciam. E a vida tomou formas, e as formas variavam. E os espectros, eternos pois eram parte da verdade original, observaram a vida nascer e morrer por todos os cantos sem nunca de fato findar, com o véu alimentando os corpos materiais com a energia imaterial que retornava ao véu quando os corpos findavam por seus incontáveis caminhos.

Tamanha argúcia havia dado início a um ciclo interminável de começos e finais de criaturas cinzentas, entre as verdades absolutas, suscetíveis a todas as possibilidades, mas livres tanto da treva quanto da luz. Aqueles seres eram algo mais.

E por erro ou por escolha, engano ou plano, sorte ou azar, os espectros encheram com o véu aquilo que chamaram de humano criado a partir da vida. Jamais pensando que uma forma a mais poderia desequilibrar a aleatória concepção natural que regimentava aquela realidade.

As verdades se romperam como resultado de uma ação da mesma forma que o véu se tornou cinzento quando a treva fora aprisionada e a vida surgira por consequência disto tudo, mas não por criação de uma metade absoluta. Vida, por si só, deveria ser consequência; uma ação involuntária, espontânea, natural e descontrolada. E a interferência encerrou o ciclo de repetição e um final surgiu.

E assim o que deveria ser, já não é. E o que será, talvez nunca chegue a acontecer.

O universo criado das verdades declina.

A treva urgi. A luz definha.

E no final apenas restará uma verdade absoluta.

Caminham para o final; a treva, a luz, e a criação.

Duas metades, iguais, incapazes de se aniquilar, mesmo assim, uma deve ser não mais. E para isso a interferência surgiu. E para isso os humanos surgiram, para ditar a sentença de quem deve reinar doravante.

Luz ou Treva.

"O que foi será uma vez mais

O ciclo é eterno

E o fim é apenas o recomeço

Pois no começo era A Verdade.

Como deve ser no final

Para que possa recomeçar"    

DeH; A OrigemWhere stories live. Discover now