— Você parece mais interessado no brinquedo do que no doce. – O velho acusou com um riso fraco. – Como a maioria das pessoas, também não está interessado no que é mais importante.

O garoto pestanejou em confusão, tentando manter seu ovo de páscoa a salvo do cachorro insistente. Questionou o que o homem queria dizer com aquilo quando cansou de tentar entender por si mesmo.

— A páscoa não é uma data só para ganhar ovos de chocolate de presente, garoto...

O homem pretendia continuar, mas foi interrompido pela impetuosidade do menino. No auge da destreza dos seus 6 anos de idade, Nicolas falou o que sabia sobre a páscoa.

— É uma data para os cristãos, para celebrar a ressurreição de Jesus. – Repetiu as palavras de sua mãe. Mas, sentindo que elas carregavam pouco significado do que ele realmente queria dizer, continuou com as próprias – É o momento pra gente ser grato pelo que Deus fez e faz por nós todos os dias!

O questionamento do velho veio alguns segundos depois, dissipando o orgulho que o menino teve pelo que dissera.

— E você acha que tenho motivos para ser grato por alguma coisa? Olhe só para mim.

Nicolas estava olhando. Atentamente. A situação do velho não era boa, é claro, e nem poderia ser vivendo naquelas condições. O menino quis rebater de alguma forma. No entanto, pensando que talvez fosse soar mal-educado, preferiu se calar, como Carolina o advertia a fazer quando não tinha nada de bom para dizer.

— Você sabia que o ovo da páscoa representa um túmulo vazio? Foi isso que aprendi quando ainda era jovem.

Surpreso, o menino não soube o que responder para aquilo. Abriu a embalagem do ovo de páscoa e ofereceu o chocolate ao velho de olhos embriagados de tristeza.

— Agradecido. – O homem falou em uma pronúncia fraca, contrastando com o sotaque forte do interior, ao pegar pedaços do chocolate.

— Aí está... o senhor ficou grato. Se procurar bem, tem motivos para ser grato a Deus mesmo nesta situação.

O velho sorriu em constrangimento, cobrindo a boca com a mão sem sutileza, envergonhado pelos dentes que já não tinha mais.

— O senhor pode ter desistido de tentar ser visto por todos, mas Deus não desistiu do senhor. Ainda está vivo, respirando e falando. Enquanto estiver assim, o senhor tem escolha sim. Pode escolher continuar lutando.

Pela primeira vez, Nicolas esperou em vão o homem rebater o que ele dissera. O cachorro, agora deitado ao lado do menino, lambia-lhe os dedos sujos de chocolate.

Logo se ouviu um grito de mulher chamando pelo nome do menino repetidas vezes. Nicolas havia passado mais tempo do que planejara ali, e agora sua mãe procurava por ele. Estava encrencado. Encolheu-se e se manteve quieto, encarando os carros no estacionamento.

Com o corpo entrevado, o velho se ergueu com dificuldade, apoiando-se na parede e onde mais o braço enrugado alcançava. Murmurou um "vamos lá, garoto" antes de começar a andar. Nicolas se adiantou e caminhou ao seu lado ouvindo os berros da mulher.

Não demorou para que Carolina avistasse os dois e corresse na direção de Nicolas. Ela o abraçou tão apertado que o menino protestou, ainda com o rosto coberto pelos cabelos bagunçados da mãe. O homem com que ela estava discutindo minutos atrás também apareceu, com expressão cansada e a testa brilhando de suor.

Depois de ralhar com o menino, Carolina terminou dizendo que conversariam mais sobre o que aconteceu em casa e Nicolas engoliu em seco. A mulher capturou e apertou a mão do velho entre as suas, agradecendo e desculpando-se pelo trabalho que seu filho havia dado.

O velho estava espantado demais para responder-lhe qualquer coisa, e apenas observou Carolina se despedir do homem que a ajudara a procurar por Nicolas depois de dizer que poderiam resolver o conserto do carro em outro momento.

A mãe e o garoto começaram a se afastar dali sem demora, apressados para alcançar o carro. Nicolas mal notou que esqueceu o restante do ovo de páscoa e o brinquedo que vinha com ele, percebeu o velho.

Levantando o rosto para o sol, seus olhos protestaram e se enrugaram ainda mais ao tentarem se fechar, desconfortáveis com a mudança de luminosidade. O velho sabia, no entanto, que tal mudança é necessária. Já tinha vivido tanto tempo envolto pela sombra que se esquecera do quão bom é encarar o dia e ser banhado pela luz.

— Tchau, senhor!!! – Ouviu o berro de Nicolas, que tinha acabado de colocar a cabeça para fora da janela do carro.

— Até logo, garoto! – O velho respondeu com a voz ainda rouca, porém mais firme e clara.




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