Amianto

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[AVISO: RISCO DE GATILHO] Este conto aborda depressão e ansiedade. Algumas partes podem gerar crises, tomem cuidado e respeitem seus limites.

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A noite estrelada sempre foi algo que chamava muita atenção da mente desnorteada de Clarisse, ela se perdia em meio aos seus devaneios e deixava-se ser tomada por uma euforia que preenchia todo o seu ser. Não foi diferente naquele dia. O mais coerente a se fazer quando se está passando por uma crise existencial é ficar quietinha e esperar que no dia seguinte tudo melhore, mas coerência nunca foi o forte da menina de dezenove anos.

— Ei, moça! — uma voz desconhecida chamou.

Ela olhou sem muita vontade e viu o vizinho do apartamento ao lado, encarando-a como se soubesse do que ela estava prestes a fazer.

— Oi? — piscou algumas vezes, pois o cabelo dele parecia estar pegando fogo.

— Sai daí de cima... é perigoso.

Não respondeu nada e também não saiu. Continuou olhando para a orla da praia, onde pessoas conversavam e aparentavam felicidade. Clarisse deixou o corpo mole e o balançava levemente, enquanto, na sua mente, imaginava-se dançando valsa com a depressão.

— Você tem quantos anos? — o ruivo do apartamento ao lado perguntou. Não era fogo, ele era ruivo, ela deu uma risada quando constatou o óbvio. Ele tragava um cigarro e estava com uma taça de vinho na mão.

A menina abriu os olhos e, por um momento, o encarou. Será que ele não tinha nada mais interessante para fazer numa linda noite de sexta feira?

— Dezenove.

— Muito nova pra brincar de morrer, não acha?

Clarisse riu com escárnio. Chegou a se desequilibrar e riu ainda mais ao ver o ruivo arregalar os olhos. Aos poucos, ela se recompôs e de maneira debochada, voltou a olhar naqueles olhos azuis que pareciam capazes que causar um naufrágio pela intensidade que a examinava.

— Você fuma e bebe. Sabe que isso causa doenças e que o uso diminui sua expectativa de vida e mesmo assim o faz... isso também é brincar de morrer, não acha? — ergueu a sobrancelha.

Ele ponderou por um tempo e depois assentiu.

— Vamos fazer um acordo? — propôs.

— Diga.

— Vou apagar o meu cigarro.... — pressionou o fumo de tabaco no cinzeiro a sua frente — e largar o vinho... — colocou numa mesinha ao lado — e você desce desta pilastra.

Clarisse levantou e ficou em cima da pilastra, sentindo o gelado do mármore em seus pés. Começou a caminhar de um lado para o outro com os braços abertos para não perder o equilíbrio e disse:

— Continue com seu cigarro e sua bebida... brincar de morrer pode não ser tão ruim assim.

Ele tombou a cabeça para o lado e, reparando a expressão da jovem, notou que ela não estava brincando. Clarisse estava determinada a fazer algo. E não era algo bom.

— Quer conversar? — ele mudou de assunto — Acabei de fazer um café, gosta? Abre lá à porta, vou te levar uma xícara.

— Odeio café — respondeu, fazendo careta e tentando entender onde ele queria chegar com toda essa enrolação — Além do mais... perdi minha chave.

— Então o que é isso aí perto de seus pés? — ele arqueou as sobrancelhas.

— Olha... você acabou de achar minhas chaves! — com a pontinha dos pés ela empurrou o objeto, que caiu em queda livre do décimo quinto andar. — Ops, sumiu de novo!

Ouvi. Senti. EscreviWhere stories live. Discover now