Que seja à mão

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A vastidão. O nada. O eu somente, e as colinas, e as planícies, e a floresta, e os campos. Nenhuma vivalma que me distraia. O voluntário sequestro de mim mesmo. O planejado isolamento. A desejada melancólica solidão.

Abdico. Mas não me tirem o carteiro.

Abdico. Desde que eu tenha um amigo para quem mandar minhas letras. Desde que eu tenha um amigo que me mande sua letra.

As palavras não ditas, mas escritas.

Que seja a carta escrita à mão, envelopada, selada e encaminhada.

A vida que vai.

Durante a fenda que se forma entre uma carta e outra, novas histórias crescem.

O cuidado das palavras escritas torna a verdade mais bela. Torna até mesmo a fantasia em verdade.

Os dias contados não falham.

Às nove horas da manhã do dia marcado, o carteiro toca a campainha de sua bicicleta. Não há tempo de depositar a carta recebida na caixa. Eu a tomo de sua mão. E a devoro. Ou não. Sento-me debaixo do céu, espero o crepúsculo alaranjado e abro com vagar. Desenrolo o papel que viajou um oceano para chegar às minhas mãos. Há que se ter respeito.

As histórias de minha terra fazem brotar lágrimas em meus olhos. O humor contido nos versos desenha um sorriso em meus lábios. Termino com a vontade de escrever em retorno.

Escrevo o que vejo.

Escrevo o que ouço.

Escrevo o que cheiro.

Escrevo o que não vejo.

Escrevo o que apenas sinto.

"Ao meu único grande amigo que entende o valor da caneta".

Posso querer a melancólica solidão.

Mas não me tirem a ansiedade pela espera do homem de uniforme.

Que haja ao menos um amigo que receba e que me escreva cartas de verdade.

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