XI

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    Uma leve microfonia surgiu e foi se dissipando e como se isso fizesse parte do discurso, elegantemente o Dr. Sant'Anna pigarreou e disse em sua voz firme e ao mesmo tempo jovial:
-Saúdo meus conterrâneos: todos os nascidos no Universo! Eu tentei de todas as maneiras desenvolver um bom discurso, que soasse bem ao ouvido de todos, e um escritor profissional contratado me escreveu este que tenho em mãos, mas enfim me dei conta de que o conteúdo que lhes trago hoje é tão artístico quanto científico, e que qualquer técnica de escrita, seja amadora ou profissional, ficaria totalmente ofuscada além de me deixar preso a um script. Vou, portanto, falar a todos como falo e sempre falei aos meus alunos, pois é assim que sei fazer e por favor, não pensem ser algo tão baixo quanto um sentimento de presunção ou arrogância de minha parte, mas até que sou um bom professor... Limpinho, organizado e... Anh..., . –Ele poliu as unhas no blazer e usando um tom banal, acrescentou: Ganhei um Nobel sabem!! –E o planeta ria daquele jeitão do Dr. Sant'Anna. Ele riu junto e finalizou:
-Bem, para eu ficar mais à vontade então, vou deixar esse lindo discurso que me foi carinhosamente escrito, de lado, -e depositando o papel sob uma parte escondida do palanque, ergueu a cabeça para a plateia e às câmeras, -E vou dar a aula mais importante da minha vida, para a mais importante classe da história. O assunto da aula de hoje classe, é o próximo "álbum" de Charles Mártir, intitulado convenientemente de "Equação Mártir". Sua música é a chave para uma compreensão inigualável do Universo e seus segredos e para que possamos compreender isso, vou montar uma linha de raciocínio, a mesma que nós da fundação Charles Mártir, tivemos a incrível aventura e missão de traçar. Para tanto, preciso voltar lá em seu início. E já aviso que se dormir na minha aula, vai acordar na reguada heim!! –O planeta riu novamente, mas logo todos se atentaram ao que estava por vir. O professor tomou um gole de água e com olhos semicerrados por trás de suas grossas lentes, prosseguiu:
-No início, tínhamos nas mãos, quase treze horas de solos extremamente complexos de flauta transversal, e nos foi dito que aquelas "composições" haviam sido "criadas" por um garoto autista de nove anos de idade, que aprendera a tocar o instrumento em três horas! Ninguém acreditaria, não fossem os vídeos gravados por nosso saudoso mentor, o grande músico Natã, que tive a honra de conhecer e trabalhar junto no projeto.
Não bastasse esse choque, a coisa começou a ficar mais complexa quando descobrimos que o garoto "compunha" uma canção específica para cada constelação, estrela, planeta, eco sistema, animal, célula ou partícula que lhe fosse mostrada. O caso precisou, como sabemos, da atenção de diversos ramos da humanidade e entre todos os nomes que poderia citar, tenho a obrigação de salientar a grande mente da matemática Dra. Karla Nascimento, que foi a responsável pelo primeiro traçado detalhado de notas e imagens de Charles, o que foi decisivo para a comprovação de que o Mártir não estava compondo, mas sim, tocando pautas que via por todo Universo, seja uma galáxia, a íris de um olho ou uma pedra! –Fez uma pausa e respirou fundo antes de continuar:
-Como todo projeto e objetivo a ser alcançado, o nosso se resumia também a derrubar um problema e encontrar outro. O próximo passo agora, seria descobrir se Charles com seu autismo, estava apenas tendo devaneios, e como estudos demonstraram ao longo dessa etapa, havia "coincidências" demais para ser apenas isso. Vou citar um exemplo simples, para que fique mais claro: em culturas asiáticas e tibetanas, entre monges e budistas, acredita-se que uma vibração constante de algo como um tacho metálico ou sino, influi diretamente no corpo humano e o acalma ou agita. Quando se quer curar alguém nessas culturas, coloca-se em cima, ou lado da pessoa enferma, um tacho ou sino e se dá uma badalada deixando a nota do metal soar até seu fim, e assim, isso vai se repetindo, enquanto o enfermo se concentra na vibração, entra em sintonia com a nota, e a deixa agir em sua cura. As mesmas pesquisas demonstraram que não é qualquer batida em qualquer sino que deve ser usada, que existem vibrações específicas para cada caso. Nesse exemplo de cura, precisa ser utilizada aquela que conhecemos popularmente como nota Mi, entre 430 e 520 Hz. Junto dessas crenças, há também o fato de que a cor amarela é utilizada lado a lado com a nota Mi, se a intenção é curar. Tendo em mente que a nota Mi e a cor amarela têm essa ligação, não só dentro de tais culturas afastadas dos laboratórios, mas comprovado por avanços de pesquisas de diversos ramos da ciência, entre elas a própria física quântica, a geometria musical e a cromologia por exemplo, sendo inclusive que muitos desses avanços, eu mesmo ajudei a desenvolver, tivemos o choque de constatar que Charles tocava Mi para a cor amarela, e variações de Mi para variações de tom da mesma cor e que isso, obviamente, seguia à risca a escala das sete notas musicais audíveis pelo ser humano, quando sobrepostas às sete cores do prisma, ou arco-íris, visíveis a olho nu. Resumindo: o garoto autista de nove anos que jamais saíra do pequeno vilarejo de Piltor, que não sabia falar nada mais além do próprio nome, tinha extenso conhecimento científico e musical, lembrando que estou dando um exemplo, com uma nota e uma cor apenas. –O Dr. Sant'Anna deixou seu olhar vagar pelo céu cinzento daquela tarde em Ulm. Após alguns segundos, respirou fundo e prosseguiu:
-Isso é notável, claro que é. Mas não tão glorioso quanto as descobertas seguintes e mais uma vez a Dra. Karla Nascimento nos mostrou uma grande contribuição, sendo essa, infelizmente, sua última. Uma muito aguardada luz no fim do túnel, nos tirando de uma estagnação que já durava quase vinte anos. Pouco antes de seu falecimento, que decorreu como sabemos de idade muito avançada, tive o prazer de receber em minha mesa, uma pasta grossa com todos os seus últimos cálculos matemáticos. Apresentei seus resultados aos também já muito idosos, meus queridos mentores, que me confiaram seguir com essa trajetória, o genial Sr. Dr. Danilo Braga e sua brilhante esposa, a Sra. Dra. Ayana Braga, a quem devo toda minha reverência, e eles leram juntos a grossa pasta da Dra.Nascimento, como sempre faziam, discutiram por alguns minutos e ao se voltarem para mim, com um largo sorriso, concordaram com minha opinião sobre o trabalho da Dra. Nascimento: "Sim! Ela conseguiu novamente!!".
O professor respirou fundo e sua expressão antes séria, agora tinha uma emoção reconhecida a quilômetros como a mais pura saudade. Após o que foram quase dez segundos de pausa em devaneio, o Dr. Sant'Anna deu uma leve sacudida com a cabeça, como quem acorda, e prosseguiu com sua aula:
-Sim! Ela tinha mesmo conseguido. Através de diversos cálculos com a marca registrada de seu obcecado cuidado com os detalhes, a Dra. Nascimento constatou que havia uma base de tempo e contratempos regida nas melodias, aparentemente dispersas e até caóticas. Cada compasso possuía diferentes tons e viradas melódicas, mas havia uma base de tempo que nunca se alterava. Porém, mesmo ao ouvido mais preparado, jamais, sequer lembraria uma base de tempo e compasso musical, pois falhava em intervalos desconexos de melodia para melodia, parecendo serem parte das músicas, ao menos para os sentidos humanos, mas não para a matemática.
Além de encontrar a "Base Oculta De Compassos", ela nos apontou o caminho pelo qual deveríamos seguir, quando mostrou que as "falhas" da base podiam ser conectadas umas com as outras, seguindo as ordens das escalas diatônica e cromática, quando sobrepostas em torno do número 55 em todos os sentidos, na matemática e na numerologia.
Por "coincidência", e quero dar ênfase às aspas, os números em numerologia são somados, portanto como sabemos 5+5=10, e 10 é o número que representa Deus em inúmeras culturas, como na maçonaria por exemplo. Mas deixando essas "coincidências" de lado, a Dra. Nascimento nos mostrou teoricamente que precisávamos encontrar 55 canções, de 55 segundos cada, nas treze horas de solos de Charles. Cada uma dessas melodias representa um ponto crucial do Universo. Por exemplo, existe a melodia da luz e a da escuridão, a do macho e a da fêmea, e assim por diante. Quando intercalássemos essas 55 canções de 55 segundos cada uma, na intenção de conectar na sequência correta a base que "falhava", as 55 canções se completariam em uma só, complexa e até então impensável, equação musical, e esse é o motivo pelo qual essa aula está sendo transmitida da cidade natal de Einstein e ao lado do monumento que demarca o local onde ele nasceu, pois o mundo conhece seu sonho de sintetizar o Universo e suas leis em uma única equação. Estou quase tendo um infarto, mas terei o prazer em declarar finalmente: Dr. Einstein, meu querido e admirado Dr. Einstein! –Disse virando-se em direção ao monumento e em seguida completou, fazendo um gesto largo no ar, virando-se para o céu, às árvores e às pessoas:
-Encontramos A Equação!!

Charles Mártir E O Segredo Do UniversoWhere stories live. Discover now