Capítulo 11 - Extravasar ❤

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— De quem é esse quarto? – Pergunto passando a mão por uma estante de livros.

— Da minha irmã – Sua voz saiu fraca, e ele continuou a olhar.

— Han? Você nunca me disse que tinha uma. Porque ela não está na festa? – Questionei virando-me para olhá-lo.

— Ela morreu há dois anos. – Parou de mexer nas roupas e puxou algo para fora e trouxe até mais perto de mim. — Vocês têm um corpo parecido, deve servir em você, se não gostar ou não servir, pode procurar outra lá. – Ele apenas diz isso e saí o mais rápido possível do quarto.

Ao falar dela, parece que a dor ainda era bem intensa sobre sua perda. É compreensível, eu ainda choro quase sempre pela morte da minha mãe. Pela primeira vez percebi algo em comum com o Chuck: a dor da perda.

Olhei bem o vestido que ele me deu, era um verde simples com estampa de flores, ele ia até o joelho e tinha as mangas caídas deixando meus ombros livres. Tirei o colar que não combinava com isso e soltei meu cabelo, ele formou algumas ondas. Tirei um pouco do batom deixando-o mais claro, quase num tom rosa. Como eu não tinha outro calçado, continuei com meus saltos pretos.

Continuei por alguns instantes a olhar pelo quarto. A garota era bonita e radiante em todas as fotos, parecia bem feliz em todas. Pergunto-me qual seria o motivo da sua morte.

— Acabou? – Chuck pergunta atrás da porta.

— S-Sim... – Não esperava que ele estivesse ali.

— Vem logo, eu quero ir embora. – Disse, um tanto agitado.

Saí imediatamente do quarto.

Ele apenas se despediu de algumas pessoas e de sua mãe e enfim levou-me de volta para o campus. Como estava um pouco tarde, tinham poucas pessoas espalhadas pelo gramado. As luzes dos alojamentos estavam desligadas. Dessa vez ele que parecia quieto demais.

— Me desculpe por isso – Murmurou. — A Fernanda é um saco, eu disse.

— Eu já esperava que ela não ia ficar quieta, mas não sabia que era tão imatura. Você não sabe escolher mulher – Faço-o rir um pouco.

— Você está dizendo que você não é boa também? – Ele levantou uma das sobrancelhas pondo seu rosto a minha frente, fazendo-me parar.

— Eu sou uma exceção. – Dou de ombros e ele volta a ficar apenas ao meu lado para continuarmos a caminhar.

— Minha irmã também era. – Ele sorri de leve olhando fixo o chão.

— Ela era bonita... Radiante. Não sei como parecia tão feliz ao seu lado – Dou uma cutucada nele.

— Eu sou mais legal do que você pensa – Ele se defende.

— Vem comigo. Eu sei como vai melhorar – Estendo minha mão, ele hesita um pouco, mas no fim a pega.

O puxo para meu departamento. Apesar de ser mais de meia-noite, eu tinha um truque para entrar escondido.

— Temos uma invasora em potencial aqui – Chegou mais próximo de mim, que estava destrancando a porta com um grampo.

— Shh! – Abro a porta e o deixo passar antes de mim.

— Onde aprendeu isso? – Pergunta.

— Não importa. Tira esse terno aí! – Ele se afasta um pouco, como se eu fosse lhe fazer algo. — Pode deixar que não vou te agarrar por aí, não sou uma louca! – Ele fecha a cara e tira seu terno ficando apenas com a vestimenta branca por baixo.

Chego mais perto dele e retiro sua gravata.

— Você vai me fazer ensaiar a essa hora?

— Não tem nada melhor que extravasar na dança. – Sorrio, me agachando para tirar meu salto. Prendo meu cabelo novamente num coque alto e tiro os brincos colocando-os em cima da mesa junto com minha bolsa.

— Só pode ser brincadeira – Ele ri irônico.

Eu pego meu celular e coloco uma música agitada. Começo a dançar feito louca, sem passos coreografados, apenas libero o estresse ali. Ele não faz nada apenas fica rindo de mim.

— Podemos ao menos acender mais luzes? Só tem essa ali acesa – Ele aponta para a lâmpada do fundo da sala acesa, que estava iluminando pouco. Era a única que sempre estava ligada.

Eu continuo dançando e ignoro seu pedido.

— Anya! – Exclama. Eu pego em sua mão e o puxo para a mesma dança que eu.

Ele começa devagar, mas depois vai acelerando conforme a música tocava, até ficar tão louco quanto eu.

Pela primeira vez estávamos sorrindo juntos, como dois malucos, trancados num departamento com pouca luz, uma música baixa e tentando manter o silêncio. Dançamos até nossos corpos se cansarem e cairmos deitados no chão. Ainda havia uma música tocando no celular, mas não queríamos nem a tirar de lá.

— Você é mais maluca do que imaginei – Diz, ofegante, deitado ao meu lado no chão.

— Você também é mais do que eu imaginei – Deito de lado e ele faz o mesmo.

Nossos olhos se encontram. A manhã estava chegando e seus olhos azuis pareciam verdes agora. Seus cabelos negros pareciam brilhar de forma diferente. Num impulso coloquei minha mão em seus fios para ver se era tão macio quando aparentava e era.

— Gostou do meu cabelo? – Ele riu e eu tirei a mão imediatamente.

— É que... – Pigarreio. — Ele parece falso as vezes. – Dou uma explicação esfarrapada.

— Sei – Ele sorri de canto.

— Temos que sair, daqui a pouco tem gente aqui. – Ponho-me de pé e desligo a música.

Pego as coisas fora da minha bolsa e guardo.

— É... A gente passou mais tempo aqui do que pensei. – Ele chega por trás de mim e pega a gravata e o terno dele e pendura em seu ombro.

Eu senti um nervosismo repentino com sua aproximação então me afastei.

— Podemos dar um tempo hoje? Nada de ensaio, por favor – Pensei em dar mole para ele, mas eu tinha que praticar.

— Nem pensar! – Nego. — Não se atrase dessa vez, se não eu vou fazer você ficar mais tempo aqui. – Ele murmura algo que não consigo ouvir e vai se arrastando até a porta.

— Você é cruel – O empurro pelas costas para fora do departamento e tranco novamente.

— Anda logo! – Exclamo.

Chuck.

Pela primeira vez contei a alguém sobre minha irmã. Claro que todos sabem da morte dela, mas eu nunca cheguei a contar demonstrando estar afetado por isso. Essa garota, tinha algo nela que me colocava o meu eu sensível para fora. Um eu que eu não reconheço e não vejo a muitos anos.

Apesar de ser totalmente desajeitada e sem noção, ela tem alguma aura especial, como se algo nela fosse divino. Como um imã, estou sendo atraído.

Acho que Túlio tinha razão, essa garota é cilada. Mas o que tem de mal cair em uma de vez enquanto? Eu nunca tinha experimentado deixar os sentimentos falarem mais alto, mas ela faz com que eu queria fazer isso. 

Continua...

Castelo de pedraWhere stories live. Discover now