Conto 3 - Bike na Z/L

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– E aí Jão, firmeza?

– Fala mano! Tudo bem?

– É nóis! Então, tô na correria e tal! Tem us dom de ver meu lado? Ó só, tenho que chegar logo ali e pá! Segura minha bronca na banca enquanto dô um pulo ali?

– Você quer o que?

– Segura minha bike aê! Já volto. É 2 palito!

– Não é encrenca não, né?

– Ou, mano, se liga! Prestenção, véio! Acha que ia dar esta mancada? Vou dar uma ideia na mina ali! Relaxa, brother!

...

A vida é assim, em plena periferia brava, aqui na zona leste, ninguém pode vacilar. Tem que ficar esperto, mesmo! As vezes é irmão que passa a rasteira em irmão.

Este maluco aí, cheio da ginga nervosa e palavreado estranho é um velho amigo aqui da área.

Ele nunca deu uma mancada comigo, mas também não é um santo! Já puxou cadeia, ele fugiu várias vezes da Febem, pois é, a tal da Fundação Casa. Nome bonitinho pra antigos problemas. O famoso: Sob nova direção, mas as bosta é a mesma! Pode crer!

Me deixou aqui plantado com esta bicicleta suspeita da porra!

– Essa merda deve ser roubada! Mó baguiu suspeito! Quem tem grana aqui pra comprar uma dessa, doido?! Disse o Piôio, antes de sair correndo. Tipo um papagaio, falou as merda dele e sumiu.

– Aí Piôio, vai a merda com as suas adivinhação! Mãe Dinah Piolhenta dos cacete! Gritei, antes que ele sumisse de vez. Só tive tempo de ver o sorrisão dele antes de desaparecer na muvuca, lá longe.

Esperei uns 10 minutos e nada do Charlão voltar – Caralho, Charlão! Mó mancada!

– Pô! Embaçado, fiquei com este B.O. na mão. Sabe de uma coisa?! O maluco que se foda, vou é dar um rolê nesta Bike loka! O Piôio tá certo, quem tem grana pra comprar, ou melhor, curtir um rolê de patrão por aqui?!

E lá fui eu, tipo Barão no Ibirapuera, óculos escuro e sorriso na cara! Loko!

Queria que a vida fosse igualzinha esta bike: linda, cheia de amortecedor – até pra bunda –, freio que freia, pintura invocada e fosca, marcha pra subir e descer sem suar e as mina pirando no meu style invocado.

– Uhul! Sou o cara, mano!

O rolezinho esticou! Fui só até ali, dali fui até lá, aí me empolguei e passei numa gatinha pra fazer banca de "prayboy" e parei na porta das escola.

Aproveitei e fui filar um café no trampo do meu irmão, que pirou na minha bike, mas logo me deu um sermão daqueles, porque a parada podia ser suja e aquela coisa toda. Tá certo que na sequência se esqueceu completamente dos conselhos e me pediu pra dar um rolezinho também e toda aquela coisa de irmão mais velho foi pro saco. Quando vi, já era tarde, o safado me deu uma canseira nas voltas pelo bairro.

Foi assim que, beeeem mais tarde me lembrei de que tinha que devolver a bicicleta pro Charlão!

– Caraca, "roubei" a magrela do maluco! Isso ia dar merda!

Voltei acelerado, diga-se de passagem, com uma graciosidade e domínio da situação de dar inveja! Já entendia tudo do esquema, a melhor marcha para o tipo de situação e todas as malícias daquela bicicleta! Ela até parecia minha. – Pô! Bem que podia ser minha mesmo!

Pois é! Nem me pergunte como estava sendo difícil devolver aquela belezura pro Charlão!

Fui chegando na minha área de novo e de longe vi uma pá de polícia na minha rua.

De mãos para trás, presas com algemas, lá estava o Charlão. Cabisbaixo e com a cara toda ensanguentada, de quem tomou um cola forte.

Mal cheguei e o Piôio veio me trazer as notícias:

– Aí, paix! Parece que você ganhou uma bike zerada! O Charlão rodou! Mas, fica frio, num tem nada a ver com ela não! Essa aí é firmeza!

O Charlão, antes de sumir dentro do carro da polícia, olhou a bicicleta e depois me acenou discretamente, uma despedida, uma permissão de ficar com a bike.

Não sorri, não balancei a cabeça de volta e nem nada, apenas vi o irmãozinho cumprindo o seu destino. Sem julgamentos, a vida aqui é assim. Quem é tá ligado!

Virei a bike e segui meu caminho, um pouco arrasado pelo Charlão, um pouco feliz pela brisa gostosa do rolê.

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