Capítulo 1

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Ainda não eram nem seis horas da manhã quando Ana foi tirada da cama naquela terça-feira. Aquela tinha sido a terceira tentativa de Dona Judite, que agora estava ocupada escolhendo as roupas que a menina iria vestir. Ana já tinha deixado um conjunto simples separado, mas Dona Judite ou não tinha notado ou tinha decidido ignorar solenemente as peças sobre a poltrona. A segunda opção era bem mais provável, já que Dona Judite raramente deixava algo escapar.

Ana pegou sem reclamar o vestido verde-água que a mulher lhe entregou. Teria insistido nas roupas mais simples se não estivesse com tanto sono, mas sabia que não seria páreo para Dona Judite, que parecia nunca ter sono, sede ou fome. O tecido claro contrastava com sua pele morena, e dava certa evidência aos olhos cor de mel. O cabelo castanho escuro descia em cachos até seus ombros, mas Ana decidiu prendê-los num coque.

– Seu café está sobre o balcão, mas não se acostume – Dona Judite disse. – E também não se atrase. Seu pai já está bem nervoso.

Um barulho de vidro quebrando veio do cômodo ao lado, seguido de um palavrão. Dona Judite ergueu as sobrancelhas e comprimiu os lábios, lançando a Ana um olhar que ela já sabia muito bem o que queria dizer. Não estrague tudo.

O cheiro do perfume de seu pai já tinha se espalhado por todo o corredor quando Ana saiu para tomar café. Ao lado do suco de laranja e da tapioca que Dona Judite tinha preparado – um luxo que com certeza teria sido repreendido por seu pai num dia comum –, havia um pedaço de papel com a letra inconfundível de Dona Judite: Cuidado com o seu vestido!

Ana respirou fundo e fez sua refeição com toda a tranquilidade possível, mas sem tirar os olhos do relógio.

De onde estava, podia ouvir seu pai ensaiando seu discurso com Dona Judite, que pouco tempo depois o deixou falando sozinho para vir retocar o cabelo dela.

Dona Judite sempre tinha tudo sob controle. Poucos minutos depois, ela se despediu secamente dos dois, que seguiram sozinhos por um elevador privativo para o alto da torre.

Aquilo era novidade para Ana. Embora ela usasse o elevador todos os dias – mas não o privativo, já que seu pai não queria que ela se afastasse ainda mais das outras pessoas –, aquela era a primeira vez em muito tempo em que ela ia para cima, e não para baixo. Ela e o pai já viviam num dos andares mais altos do complexo, e todos os lugares que ela frequentava diariamente ficavam para baixo, nas zonas comuns.

Enquanto subiam, seu pai conferiu mais uma vez o discurso no módulo em seu pulso e depois sorriu para Ana.

– Vai dar tudo certo – ela disse.

– Foi Dona Judite quem mandou você dizer isso? – ele perguntou sorrindo.

– Não. Essa parte não estava no planejamento dela.

Ele sorriu mais uma vez.

– Você está linda. Está muito... muito bonita.

Augusto ficou sem jeito e começou a reler seu discurso mais uma vez. Ana sabia exatamente o que ele por pouco não deixou escapar. Muito parecida com a sua mãe. Era o que as pessoas sempre queriam dizer em situações como aquela, embora ninguém jamais completasse a frase.

O Grande Salão do 92º andar ainda estava quase vazio quando chegaram. O pai de Ana foi cercado por seus assessores assim que saiu do elevador, e ela precisou procurar sozinha a cadeira com seu nome entre centenas de outras.

Ela começou pelo fundo para ter uma desculpa para explorar o salão, mas sabia que seu lugar estaria no máximo na terceira fila. Já havia algum movimento no saguão dos elevadores, e as pessoas começavam a ocupar seus lugares aos poucos. Fingindo não notar os olhares que eventualmente eram dirigidos a ela, Ana foi até os painéis de vidro que separavam o salão do abismo. Lá embaixo ela podia ver as áreas comuns entre as torres, aos poucos sendo tomadas pelos raios do sol e pelos primeiros transeuntes. Mais além, depois do fim do complexo, estava a floresta, um tapete verde que se estendia para todos os lados e parecia não ter fim.

Amazônia 22Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ