Capítulo I

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10 de julho de 1984

Férias de verão são sempre iguais. Meus pais dão um jeito de saírem juntos do emprego e viajarem sempre para o mesmo lugar: nossa casa de campo. Levamos apenas o necessário. Adolf, nosso cachorro e Adelaide, nossa cozinheira, sempre nos acompanhavam e eu adorava essa companhia extra.

Adelaide me preparava um suco de laranja, colhidas no pomar, enquanto Adolf era presenteado com um prato recheado com pedaços de carnes especialmente feito para ele. Mamãe quase sempre ficava sentada na cadeira perto da piscina, ora tomando sol, ora lendo algum livro que acabava deixando pela metade. Papai carregava para cima e pra baixo a sua prancheta, sempre que possível escrevia algo que fosse ajuda-lo em seu livro.

Peguei meu suco de laranja e fui para a beira da piscina. Adolf me acompanhou e deito no meu colo para tirar um dos seus pequenos cochilos. Acariciei os pelos dourados do cão e fiquei observando o horizonte. Apesar de ser verão, o sol estava um pouco tímido e não queria dar o ar de sua graça.

Papei sentou-se ao lado de mamãe e estava escrevendo mais um pouco nos papéis que estavam grudados na prancheta. Provavelmente era outra ideia brilhante para acrescentar no livro. Dei uma golada no suco e voltei a acariciar Adolf, que levantou e bocejou.

- Senhor, telefone. O rapaz do outro lado pediu para avisá-lo que está chegando.

- Obrigado, Adelaide.

- Quem era, querido? - Perguntou mamãe. Com toda certeza essa visita não fazia parte dos planos dela e muito menos dos meus.

- Edu, filho da Margô, minha irmã. Acabei esquecendo de avisar a vocês que ele viria.

Virei para olhar ambos, com os pés ainda molhado por conta da água da piscina. Esperava também ser comunicado daquele parente que nunca havia ouvido falar. O olhar de mamãe também era de surpresa, ela não esperava um convidado a mais na nossa casa.

- Vocês dividirão o quarto, Hector. - Disse ele para mim.

Ah, claro. Eu deveria pagar o preço de um novo visitante. Não seria um problema dividir o quarto, já que é enorme. Mas o problema surge a partir do momento que é um primo que nunca ouvi falar. Alguém totalmente estranho.

Mas preferi evitar uma longa discussão e apenas assenti com a cabeça. Tentei disfarçar a cara de raiva a todo custo com um sorriso largo e falso, ainda acariciando Adolf e deixando o suco de lado.

- Teremos companhia, Adolf. - Disse, acariciando a cabeça do cão.

Mamãe se levantou da cadeira em que estava sentada e foi até a cozinha pedir ajuda a Adelaide, que já preparava o nosso almoço, para que pudesse colocar mais uma cama no meu quarto.

Subi logo após que elas desceram. A cama do hospede era uma pouco mais baixa que a minha, mas Adelaide havia dado um jeito de deixa-la tão confortável quanto. Sentei nela e dei alguns pulos, realmente estava bastante confortável, mas não trocaria a minha por nada.

Ouvi um barulho de carro e corri para a janela, provavelmente ele havia chegado. Papai e mamãe foram ao seu encontro, Adolf latia para o veículo e o cheiro do almoço invadia cada cômodo da casa.

Papai foi ajudar o motorista a tirar as malas de dentro do carro, enquanto mamãe acenava para o garoto que havia descido do veículo e o abraçou bem forte, como um urso.

Desci as escadas correndo e me segurando no corrimão para não cair por causa das meias. Adelaide provavelmente me daria uma bronca enorme se me visse de meias correndo pela casa que ela encerava com cuidado todos os dias junto com mamãe.

Da porta de entrada pude ver o nosso novo integrante. Era menor que eu, tinha cabelos curtos e usava óculos que o deixavam seus olhos um pouco maior do que realmente eram quando visto de lado.

- Seja bem-vindo à colônia de férias da família. - Estendi a mão.

Mamãe deu um sorriso frouxo, enquanto papai me olhava com um ar de repreensão. Eu não havia falado por mal, mas ele sempre via algo de errado nas minhas frases de cumprimento.

- Obrigado. - Disse ele. A sua voz quase não saia da boca.

- Hector, ajude seu primo a levar as malas lá para cima.

- Claro! - Disse olhando diretamente para papai. - Me acompanhe. - Dessa vez o meu olhar estava voltado para o novato.

Subimos as escadas, dessa vez minhas mãos estavam carregadas de bagagens e agora estava com medo de dar de cara com o chão de madeira. Subia devagar e olhando onde meus pés estariam, um após o outro.

- Chegamos. - Disse enquanto empurrava a porta com um dos pés, me equilibrando para que não batesse a bunda no chão duro. - A cama perto da janela é minha, metade do guarda-roupa é seu. A escrivaninha é de quem usar primeiro. O abajur está queimado, se quiser eu posso pedir para Edmundo consertar.

Ele se encostou na janela. Ficou observando um longo tempo e tentou abri-la. Encostei e ajudei, tinha uma pequena tranca que não abria com facilidade e havia promessas de consertos desde que eu me entendia por gente.

- Ela é defeituosa, como as pessoas dessa casa. Seja bem-vindo mais uma vez... Qual seu nome mesmo?

- Eduardo. Todos me chamam de Edu. Que vista linda. - Ele continuava encarando todo redor da casa.

- Então, Eduardo, vou te deixar à vontade, depois você desce que vamos almoçar.

Ele não me respondeu mais nada, arranquei as meias e joguei em cima da cama, desci mais uma vez as escadas, dessa vez correndo sem medo de escorregar e perder vários dentes.

Adelaide já estava pondo a mesa no quintal de casa, mamãe estava vigiando as panelas, enquanto Adolf tentava pular em cima do fogão. Papai procurava algumas anotações que parecia ter perdido enquanto recepcionava Eduardo. O garoto apareceu na porta da cozinha que dava direto no nosso quintal. Sentou-se a minha frente e nos olhamos, ele carregava um caderno nas mãos e um lápis.

Veja com meus olhosWhere stories live. Discover now