Seu Sorriso

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Como dito que faria (e como ela foi a primeira e única a pedir até agora rsrs), aqui está a primeira história escrita a partir de um tema escolhido pela leitora

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Como dito que faria (e como ela foi a primeira e única a pedir até agora rsrs), aqui está a primeira história escrita a partir de um tema escolhido pela leitora. 

Maria Joaquina Soares, espero que goste! :* 

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Ser médica é algo que a maioria dos pais sonham para seus filhos. Comigo não foi diferente, quando passei para a faculdade de medicina, meus pais fizeram festa. Não que fossem pessoas que passassem dificuldades, mas não éramos ricos.

Meu pai? Dono de um pequeno comércio que vendia ferramentas. Minha mãe? Dona de casa. 'Você deve estudar muito filha, ser alguém na vida e ter um belo futuro' era o que diziam sempre para mim. Filha única e para quem dedicaram dias, noites, atenção e dinheiro para ter sempre o melhor.

Quando me formei foi o dia mais feliz na minha vida, pois realizava um sonho e porque vi nos olhos deles um brilho de orgulho que até hoje me faz olhar para o que faço com satisfação e amor.

O começo da profissão foi difícil, tive que me virar nos trinta para conseguir conciliar minha vida com a profissão.

Lembro até hoje do primeiro paciente que atendi no hospital: Um rapaz, uns 20 anos, estava passando muito mal devido a sua doença, mas mantinha um sorriso encorajador para todos que se aproximavam dele. Acho que se existe uma recompensa por um trabalho, conhecê-lo no começo da minha carreira foi a minha, além de me proporcionar um aprendizado sem igual.

Hoje, em cima dos meus 32 anos, sou médica oncologista. Um ramo da medicina, que posso garantir a todos, é muito cansativo e pesado. Lido com todos os tipos de pacientes, de diversas idades, aspectos e cânceres diferentes.

É complicado atender pessoas que devem conviver e lutar contra uma doença tão difícil quanto essa, que rouba sonhos, vidas, momentos que poderiam aproveitar de suas existências com algo que amam fazer.

Sempre tentei, apesar de me sentir dolorida ao me deparar com algum paciente, me manter firme e não me deixar abater tanto, pois deveria ser forte e profissional o suficiente para cuidar deles da melhor maneira possível. Mas, de uns meses para cá, fui "atingida" em cheio por alguém de quem estou cuidando.

Meus saltos ecoam levemente ao tocar o piso da clínica onde trabalho a cada passo que dou. Meu jaleco esvoaçante, encobrindo minha blusa social e uma parte de minha calça, ambas brancas, mostram bem meu papel naquele lugar. Sinto muito orgulho ao ver meu sobrenome, Martins, escrito na roupa e como as pessoas sorriem ao me verem passar, demonstrando que tipo de profissional eu sou.

Sigo pelo corredor e vou até a ala de pacientes em tratamento intensivo e, assim que alcanço a porta de seu quarto, já sinto meu coração palpitar, apertando no peito. Dou um leve toque anunciando minha presença e entro.

Como todas às manhã a encontro, ali, sentada olhando pela janela. Quando percebe minha presença, ela se vira e sorri alegremente para mim, me fazendo sentir borboletas no estômago.

Thais estava mais abatida do que no dia anterior. Levava o já costumeiro lenço na cabeça, escondendo sua falta de cabelos. Ela me olhava, abrindo aquele sorriso encantador, que só ela sabia dar e que me fazia perder o ar.

- Bom dia doutora. - Falou alegremente.

- Bom dia, Thais. - Respondi me aproximando dela, que me encarava com aqueles orbes azuis cristalinos e lindos. - Como se sente hoje? - Perguntei.

- Melhor do que ontem. - Thais respondeu sorridente. - Já não sinto tanto enjoo com a quimio. - Fez V de vitória com a mão, o que me fez sorrir com seu gesto. - Acha que poderei sair daqui logo?

- Vamos ver, se os exames foram positivos. - Respondi a sua pergunta mostrando sinceridade. Por mais que me doesse, não podia enganá-la.

- Vão ser! - Ela falou convicta. - Logo poderei ir para casa e vou ver o Kiwi.

Sua confiança em seu tratamento, sua esperança e luta diária, apesar das dores e do sofrimento, foram as coisas que me fizeram admirá-la cada dia mais.

Thais tinha um tipo raro de câncer no fígado. Quando chegou para mim, já havia passado por diversos médicos, mas nenhum conseguiu ajudá-la. Infelizmente, devido à questões de incompatibilidade, não era possível um transplante do órgão e, apesar de fazermos duas cirurgias, a doença não regredia.

Mas, apesar de tudo isso, sua esperança e confiança se mantinham intactas. Não houve um dia, nem mesmo nos que ela se sentia pior, que ela não sorrisse, não respondesse com docilidade ou se queixasse. Todos os dias eram uma luta nova, mas ela nunca desistia.

- Sabe doutora Natália. - Thais falou enquanto eu verificava seu prontuário. - Um dia, quando sair daqui, gostaria de te agradecer tudo que faz por mim. - Disse sorrindo. Aquele sorriso que iluminava tudo a seu redor.

- Não faço nada além do meu trabalho, Thais. Não precisa agradecer. - Falei desprendendo importância e tentando manter meu ar profissional, mas só Deus e meu coração sabiam que não era somente isso.

Thais balançou a cabeça negativamente. - Você faz muito por mim. Sempre carinhosa, atenciosa e me apoia. - Pegou em minha mão com as suas de maneira doce e delicada. Como aquele toque mexeu comigo, como me fez sentir o céu. - Quando sair daqui, vamos tomar café juntas. É uma promessa. - Sorriu entrecerrando os olhos.

Diante daquela ação, não tive alternativa a não ser sorrir, balançar a cabeça afirmativamente e agradecer o carinho.

Terminei meu atendimento a ela bem no momento em que sua mãe chegou para acompanhá-la. Conversei com ela algumas coisas e fui pelos outros pacientes. Porém, o dia inteiro minha mente viajava diante daquele sorriso, daquele toque, daquela promessa.

Os dias foram correndo, mais trabalho chegando, mais obrigações e responsabilidades. Thais fez alguns exames e tive a ingrata missão de dizer, mesmo com o coração partido, que o tumor não regrediu. Sua mãe, obviamente, ficou em choque e chorou, mas ela, mantendo sua essência, sorriu e falou 'mas vai dar tudo certo, no final vou melhorar'.

Acompanhei ela definhando aos poucos, os remédios ficando mais fortes, sua aparência ficando, cada dia, mais abatida, mas seu sorriso nunca se dissipou.

Meu peito doía, minha cabeça pesava. Minhas responsabilidades me impediam de falar, por mais que meu coração implorasse para que o fizesse.

Naquela madrugada, fatídica e dolorosa, fui chamada para vê-la, porém nada pude fazer para salvá-la. Chorei, chorei como nunca havia feito na vida. Uma tristeza monstruosa me assolava e me matava aos poucos. Para os que viam, era só uma médica perdendo sua paciente, mas para meu coração era meu amor partindo para nunca mais voltar.

Alguns dias depois, passando por aquele quarto, olhando seu interior vazio, era como ver o buraco que existia no meu coração. Ela não estava ali, ela havia ido para um lugar que, por mais que quisesse, não podia estar perto dela.

Meus dias naquela clínica continuaram, pacientes vinham e iam. Cada um com sua história, cada um com suas lutas, mas nenhum deles tinha aquele sorriso, aquela esperança, que só enxerguei na face de Thais, o grande amor de minha vida. 

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