Capítulo 4: A lealdade

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Logo a frente avistou trilhos de trem. Correu até lá e sentou-se sobre eles. Ficou se virando por horas de um lado para outro a espera de enxergar ele vindo em sua direção. Ela não ia se suicidar, apesar de que sentir a falta de pessoas já fosse algo parecido. Talvez ver várias pessoas pela janela de um trem a faria imaginar vidas diferente e encontrar assim um incentivo para continuar a busca de si mesmo.

Quase anoitecendo e Victtória sonolenta, desperta com o apito do trem vindo de longe. Rapidamente sai dos trilhos, e fica a olhar para todas as janelas dos vagões. Diante de seus olhos, vidas e histórias distintas se passavam. Havia pessoas importantes para sociedade, outros desconhecidos, mas todos cientes que somente eles mesmos sabem o que já se passou em suas vidas.

Ao passar o ultimo vagão, do outro lado dos trilhos, havia um cachorro ainda filhote e parecia estar sem dono. Victtória se direcionou até o animal, e o pega no colo. Começou a acariciar, se encantará com a paz que aquele cão lhe transmitia. Não havia ninguém na estrada, imaginou que poderiam ter o abandonado. Decidiu então cuidar dele, e o seu nome dali em diante seria Charlie.

Não tinha certeza de qual era sua raça, mas agora que era seu companheiro de viagem, sua raça era a mesma que a dela, de aventureiro. Prometeu cuidar dele, não foi um juramento de mindinhos, mas com certeza foi verdadeiro. Sua rotina não era uma rotina comum, mas com Charlie, tudo era mais intenso.

Seu corpo poderia até ter se acostumado com a desnutrição, mas ela não deixaria Charlie passar fome. Procurou em sua mochila, e no fundo encontrou algumas moedas, não era o suficiente para comprar um pacote de ração, mas daria um jeito de sustentar Charlie.

Caminharam por alguns km, e Victtória avistou uma mercearia. Ao entrar a primeira coisa que chamou sua atenção, foram os doces e salgados que com certeza se deliciaria comendo. Mas Charlie agora era sua prioridade, ela nunca quebrou um juramento, e essa não iria ser a primeira vez.

Com as poucas moedas que tinha, formavam apenas cinco reais, não seria possível comprar uma ração de excelente qualidade, mas já seria o suficiente para o começo. Por alguns instantes se arrependeu por ter gastado o dinheiro que ganhará em cigarros e bebidas alcoólicas, mas não adiantaria se arrepender já que de fato não era possível recuperar. A menos que voltasse a trabalhar.

Na mercearia, por sorte o dono estava precisando de ajudante. Ela além de ganhar o emprego, também podia dormir no quarto aos fundos e fazer suas refeições no estabelecimento, desde que fizesse seu trabalho bem feito. Tudo poderia estar conspirando ao seu favor, mas de certa forma, ela já passou poucas e boas, tanto na sua rotina em casa, como na estrada. Já era hora das coisas começarem a dar certo em sua vida.

Victtória passou meses trabalhando na mercearia, criou um laço familiar por James bem interessante, e seu filhote Charlie, já não era mais um filhote. Os dias pareciam estar passando devagar, mas tudo acontecia com uma tranquilidade de se admirar. Victtória não gostava de mesmice, mas aqueles seus dias por mais iguais que fossem, pareciam ser gratificante.

A mercearia atendia principalmente os viajantes, já que era localizada em uma BR. Victtória pode assim conhecer muitas pessoas como ela, e também conhecer vários estilos de vida, diferentes e divertidos que não eram comuns de se ver na civilização. O negócio de James estava progredindo, os clientes estavam aumentando, e uma paixão por Vitória estava curiosamente surgindo lentamente.

No dia de folga de Victtória, ela foi levar Charlie para passear. Quando volta a mercearia, já fechada, estava James engravatado em frente à mesa redonda que colocou no meio do estabelecimento, com um jantar romântico acompanhado com velas e vinho. Ela surpresa fica encantada com cada detalhe. Neste jantar contaram suas frustrações, medos, desejos, como suas vidas foram e como seria dali em diante. Conheceram um ao outro da forma mais profunda que pudera imaginar.

Como os dois viviam e trabalhavam juntos, não era de se esperar uma aproximação intensa. James se apegou a Charlie e a Victtória de uma maneira incondicional, e foi recíproco. Tinham uma relação envolvente, não eram acostumados a brigar, já que não havia tecnologias no local, não tinha motivos para brigas, pois sempre tinha assuntos a ser questionados, afinal ainda havia muitas coisas a se conhecer sobre os dois.

A vida que viviam para muitos não era digna, mas para Victtória era o essencial. Não poderia encontrar algo melhor, do que ter um cachorro companheiro, e trabalhar ao lado do Homem que aprendeu a gostar. Quando se deu conta que tudo aquilo poderia ser seu destino final, ficou aflita. Ela poderia ter essa mesma vida perto de seus pais, e então não havia motivos para explicar a eles o porquê da fuga. Tudo voltou a ser confuso.

Não queria abandonar James, era um Homem muito bonito, educado, romântico, alguém que toda moça busca para casar. Mas ela não tinha certeza sobre os seus sentimentos perante a ele. Com certeza o magoaria muito deixa-lo, mas o quanto antes seria melhor, para não evitar decepções profundas.

O dinheiro que adquiriu nos dias que esteve trabalhando com James, era o suficiente para sobreviver por mais alguns meses. Tomou a decisão de novamente seguir seu instinto de aventureira e voltar para a estrada. James se despede triste, mas fica feliz em ao menos ter conhecido alguém tão diferente como ela, e o mundo também deveria conhecer, então entende sua sede de liberdade.

Antes de partir, comprou dois sacos grandes de ração para Charlie, cinco maço de cigarros, e uma taça de vinho. Não era um vicio, apenas fazia parte da diversão. Ela poderia até estar se prevalecendo com sua saúde, mas Charlie estava muito saudável, como havia prometido.

Victtória e Charlie andaram por alguns km, e Charlie já estava com fome e cansado. Victtória decide então passar a noite na beira de um lago próximo ao asfalto que estavam. O alimentou com a ração, abriu a garrafa, fumou alguns cigarros, e dormiu ao lado de seu cão.

Quando acordou, Charlie não estava mais ao seu lado, então resolve procura-lo pela mata em volta do lago. Gritava seu nome à espera de encontra-lo, mas não havia sinal algum de Charlie. Victtória chorando por perder seu fiel companheiro, se ajoelha no chão aos prantos.

Quando já tinha perdido todas as suas esperanças, ouve um latido, e corre em direção ao som, com a intuição que poderia ser o Charlie. Chegando perto dos latidos, na verdade encontra uma cadela, suja e desidratada. Ao olhar para a sua direção contraria vê Charlie arrastando seu saco de ração para perto da cadela.

Victtória como sempre emotiva escorre lágrimas de felicidade sobre o seu rosto. Neste mundo podem existir milhares de pessoas ruins, sendo mais da metade de todos os que aqui habitam, por esse motivo os animais foram criados, para equilibrar o mundo juntando-se com os bons.

Victtória era uma pessoa boa, mas sempre foi acostumada a errar, e talvez não merecesse Charlie ao seu lado. Ela sempre teve várias duvidas, e também teve várias perdas. Seu cão era o seu anjo protetor, por mais que ela precisasse dele, será mesmo que precisa mais dos seus cuidados do que aquela pobre cadela?

A cadela, mesmo comendo a ração que Charlie lhe deu, estava muito ferida e não viveria nem por mais uma semana. Seu cão não queria ir embora e deixa-la, então Victtória ficou por mais alguns dias na mata até o último dia de vida da amiga de seu cão. Charlie sofreu ao vê-la morrer, e Victtória o consolou.

Ah certos sentimentos, que nem o próprio ser humano consegue descrever. Victtória ao olhar nos olhos de Charlie, percebeu que a tristeza é algo que sempre sentimos, mesmo não querendo, e que a felicidade precisa de algo para existir. Ficamos tristes automaticamente por perder alguém que gostamos, mas precisamos se dar conta que devemos ser felizes apenas por ter conhecido aquele alguém.

Victtória decidiu então ficar mais um tempo na floresta, sendo assim uma maneira de Charlie entender que não importa onde estamos sempre estaremos ligados a quem queremos estar. Com certeza ficar na floresta também ajudaria Victtória a reformular suas ideias, e pensar mais na sua família e na sua vida.

Utopia ou SuícidioOnde as histórias ganham vida. Descobre agora