Encosto de Nuca

14 1 1
                                    


Roberto começou a sentir uma estranha dor nos ombros e na nuca, uma dor leve, porém incomodava. Era uma sensação como se tivesse algo pesando em cima. Ele era um homem sozinho, enviuvou cedo.

Com o tempo correndo, as dores começaram a ficar mais intensas. Já estava até andando curvado, como se fosse um velho corcunda doente. Ele foi obrigado a procurar uma solução logo. Consultou-se com médicos, fisioterapeutas, massagistas, diversos profissionais da área da saúde. Mas sempre ouvia a mesma resposta de todos.

- Então Doutor, o que eu tenho?

- Você não tem nada.

Roberto não compreendia, ninguém sabia o que era e ninguém sabia como livrá-lo dessas dores. Sua vizinha, dona Lucinéia, uma senhorinha simples e muito supersticiosa sempre lhe dizia:

- Isso aí é encosto. Tem que limpar a alma.

Mas Roberto nunca lhe dera ouvidos, achava-a uma louca desvairada. Ele não acreditava nessas coisas de encosto, de alma penada e assombrações. Sempre foi um homem cético e equilibrado.

O tempo foi passando, mas a dor não. Desesperado e cansado de tanta dor, Roberto resolveu dar o braço a torcer e seguir o conselho de Lucinéia. Ele procurou uma sensitiva, uma tal de Madame Verbena.

- Estou com uma dor terrível no pescoço e nos ombros. Me sinto sendo puxado para baixo, pesando. Não sei mais o que fazer! É encosto ou não?

A madame analisou-o de cima a baixo. Permaneceu pensativa com a mão no queixo por alguns segundos até que levantou-se da cadeira e trouxe uma máquina fotográfica do tipo instantânea, muito empoeirada e surrada, uma verdadeira velharia. Ela tirou uma foto dele em um movimento rápido. Em seguida pegou a fotografia, olhou e guardou no bolso de sua saia roxa estrelada, não mostrando para seu cliente.

- Eu tenho sua solução. – disse ela olhando apenas acima da cabeça de Roberto - Tome um banho de ervas finas com água benta. E depois coloque muito sal grosso na nuca. Na nuca! – enfatizou ela - Deixe durante a noite, e depois lave com mais água benta. Repita o processo por 15 dias e volte aqui.

- Mas é encosto ou não? – perguntou Roberto, intrigado.

- Encosto de nuca.

Ele não entendera a resposta, mas ela não lhe disse mais nada sobre e Roberto também não insistiu muito na explicação. Ele foi-se embora.

Mesmo achando essa tal de madame Verbena muito esquisita e louca, Roberto fez o procedimento à risca: conseguiu água benta com o padre e muitas mudas de ervas finas e todos os dias tomava um banho caprichado com esses ingredientes. Sentia um estranho calafrio nos ombros e um gostoso alívio na nuca na hora do banho, que passava assim que ele se secava. Quando colocava o sal grosso sentia dores fortes nas costelas, como se alguém tivesse batendo nessa região e tinha uma sensação de que seus cabelos estavam sendo puxados por alguns segundos, porém, a vontade de se livrar da terrível dor na nuca e nos ombros era maior, então ele aguentava esses "efeitos colaterais", e continuava com o tratamento dado pela madame.

Passados os 15 demorados dias, Roberto se sentia um novo homem. Já não tinha indícios algum de dor. Já não andava mais curvado feito um velho corcunda doente. Agora era um homem de postura ereta, elegante, estava feliz e sem dor.

Retornou à casa de madame Verbena com um largo sorriso nos lábios e um sentimento de agradecimento pulsando em seu peito.

- Obrigado madame! Você me curou! Muitíssimo obrigado! Mas o que eu tinha? Era encosto ou não?

A mulher estava com uma expressão vazia, parecia meio apática.

- Encosto de nuca. – respondeu ela suavemente.

Ele insistiu mais uma vez que ela explicasse, entretanto ela permaneceu calada. Ele então foi embora, estranhando a atitude da madame. "Ela é esquisita, parece meio louca.", pensava ele em seu carro, enquanto dirigia de volta.

E Roberto passou os próximos 3 meses de forma maravilhosa. Sem dor alguma. Estava nas nuvens, porém, começou a sentir novamente os mesmos sintomas de antes: uma estranha dor leve nos ombros e na nuca, como se tivesse algo pesando em cima, e não demorou muito para a dor se tornar mais intensa. Roberto repetiu o tratamento, mas dessa vez, estava decidido a arrancar a resposta da madame do porquê aquilo aconteceu e porquê estava acontecendo de novo com ele.

Voltando à casa da madame, Roberto foi firme.

- Madame, estou com aquela dor outra vez, já iniciei o tratamento novamente, mas me responda de uma vez por todas. O que eu tinha, afinal? Que dor é essa? É encosto ou não?

- Encosto de nuca.

- Como assim? Eu exijo saber. O que significa encosto de nuca?

A mulher o olhou fixamente com olhar confuso. Não proferiu mais nada. Roberto insistiu na resposta, várias e várias vezes, recebendo apenas o silêncio da madame em troca, mas ele não desistiu. Cansada de tantas perguntas, ela apenas levantou-se e pegou um envelope de cima de outra mesa do canto e entregou o mesmo para ele.

Roberto desmaiou ao ver a fotografia de dentro do envelope. Era a mesma fotografia da primeira vez em que tinha vindo se consultar com ela. Na foto estava Roberto de pé e em cima de seus ombros estava uma mulher, sentada. Era realmente, um encosto de nuca.


You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Mar 01, 2018 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

8 Contos de TerrorWhere stories live. Discover now