Integridade

80 11 16
                                    

Os pais de Seth entraram no quarto sem qualquer aviso prévio. O pavor do jovem transbordava em suas pupilas dilatadas. Tentava elaborar inúmeras respostas para eliminar seu constrangimento e justificar a presença de uma mulher em seu quarto. O esforço foi em vão.

— Mas que milagre é esse? Você, comendo frutas? — indagou o pai, com certo desdém.

O filho havia estranhado aquela pergunta. "Por que ele não perguntou sobre Luna primeiro?", questionou-se. Tomou a sábia decisão de responder seu pai sem maiores detalhes.

— Estou querendo ficar saudável.

— Assim, do nada? Bom, mas pelo menos mantenha-se no hábito. E deveria parar de fazer corpo mole nas outras coisas da sua vida.

— Deveria encontrar um emprego, principalmente — interveio a mãe.

Seth assentiu, ficando cabisbaixo segundos depois. Sentiu alívio pelo fato dos seus pais terem sido incapazes de ver Luna — que já sabia da pergunta que o humano estava prestes a fazer.

— Somente aqueles que tocaram o Paladium estarão aptos a enxergar deuses de Aegis.

— Entendo... — disse o rapaz.

O silêncio que pairava no quarto não durou muito tempo, até Luna exibir um olhar fusco.

— Uma aura nefasta predomina este lugar... — Luna demonstrava uma pequena preocupação ao pronunciar as palavras.

— Será que é aquela mulher que encontramos no lago? — perguntou Seth, referindo-se a Yaksha.

— Não. Trata-se de uma sensação ressoando entre seus pais. Rancor, tristeza, engodo. Sentimentos deveras belicosos.

— Mas você poderia parar de falar desse jeito deveras idiota? — A melhor resposta de Luna à pergunta irônica foi sua indiferença, continuando seus dizeres em sua própria maneira.

— Abençoada fui com o divino dom de perceber o sentimento de outrem através da aura. Não há qualquer tipo de união entre teus progenitores. Ouvi menções a respeito do sagrado matrimônio e os juramentos que vós, humanos, realizam. Todavia, impressiona-me como tal compromisso sequer torna-os adstritos.

Seth deu de ombros, não tinha o menor interesse na relação de seus pais.

— Mas e eu, o que minha aura transmite? — questiona.

— Peremptoriamente nada. Tu sequer possui aura — Luna respondeu de tal forma que foi impossível para ela não refletir a respeito dos motivos que a levaram a conceder um abraço ao rapaz. Era de fato um sentimento único, não tendo experimentado-o desde seus tempos mais primórdios. Pensou tratar-se de uma ironia sentir sua atenção cativada por um indivíduo que não emanava aura alguma tampouco pertencia a seu mundo. O destino de ambos não atrelou-se por acaso, imaginava. E entre as navegações pelas águas de seus pensamentos, resolveu atracar ali, no porto não muito próximo da lógica, mas localizado no coração. Seth estava nitidamente desanimado com as recentes palavras da deslumbrante deusa, que logo retomou sua fala.

— Por um motivo que foge de minha compreensão, desejo vossa companhia em minha jornada. Ajudá-lo-ei na busca por tua aura e tu irás auxiliar-me a retornar para meu mundo.

— Eu sou apenas um grão de areia num deserto sem fim — exprimiu o rapaz.

— Mas por algum motivo tu foste escolhido para ser um fragmento deste mosaico chamado deserto. Teu mundo é lauto em possibilidades, mas põe-se como minúsculo sempre. Tu podes ser alguém preenchido por falhas, mas tens de suscitar as boas coisas que habitam teu ser. — Os olhos de Luna cintilaram, depois de ajeitar suas sedosas madeixas.

— Continuo achando que você não precisa ficar falando desse jeito esquisito — disse Seth, esboçando um pequeno sorriso. — Além do mais, como você sabe nosso idioma?

A loura tornou recíproco o sorriso de seu novo aliado.

— Certo, usufruirei de palavras mais simplórias. Em Aegis, temos conhecimento e domínio de todos os idiomas possíveis. A humanidade também continuaria tendo posse desse conhecimento, se não tivessem a ousadia de erguer a Torre de Babel.

— Você está querendo dizer que toda a história da Bíblia é verdade? — perguntou Seth, com evidente surpresa.

— Em partes — disse Luna, quase de imediato. — Nossos mundos perderam conexão há muito tempo, desde que a humanidade tentou acabar com Caelesti. Não preciso dizer que a tentativa foi falha e Aegis saiu vitoriosa. Como punição, vossa espécie foi separada pelo mundo, formando povos isolados em continentes, perdendo a capacidade de aprender múltiplos idiomas com facilidade. Contudo, não há importância nisto por enquanto — concluiu.

O jovem demonstrara certo fascínio ao escutar um pouco daquela vaga história. O mesmo sentimento não se mostrava perceptível no rosto de Luna, que tinha uma expressão séria e determinada, de certa forma.

— Acima de qualquer coisa, preciso me assegurar de que tu és digno de me acompanhar, Seth. Serás testado por mim.

— Um teste? Como assim?

— Uma das características mais infames de tua espécie é a natureza corrupta que os habita. É um defeito conhecido por todos que habitam Aegis, fazendo com que enxerguem a humanidade como criaturas desprezíveis.

— Acho que não entendi aonde você está querendo chegar, Luna. — Confusão e insegurança pareciam mais evidentes no coração de Seth.

— Ficará em posse do Paladium por um certo tempo, até que eu conheça bastante de seu mundo e, claro, da sua verdadeira natureza. Será sua chance de mostrar a mim, uma deusa, que fui presunçosa em minhas convicções.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Oct 26, 2019 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Fragmentos do DestinoWhere stories live. Discover now