Elegia

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Seth entrou no quarto, abrindo a porta com sua mão esquerda, enquanto a direita estava ocupada segurando uma bandeja contendo poucas frutas e um copo de suco.

— Está se sentindo bem? — indagou o jovem rapaz.

— Sou grata a ti pelo que estás fazendo, humano, mas este não é meu lugar. Necessito encontrar Yak — Uma súbita dor em seu abdômen comprometeu o ar de bravura que fazia-se presente em suas palavras.

— Poderia me explicar do que se trata isso? — Seth retira a câmera fotográfica de seu modesto guarda-roupa, estendendo sua mão na direção da loura de olhos azuis, mostrando-se propenso a entregar o objeto.

— É algo que não pertence a ti ou a teu mundo, tampouco é de vosso interesse. Tuas mãos imundas não deveriam atrever-se a tocar o sagrado Paladium. Dê-me agora! — A maneira como Luna pronunciou aquelas palavras foi idêntica à forma que se dirigiu a Yaksha. Seth não se intimidou; mostrava-se irritado com o comportamento daquela estranha que não parecia demonstrar gratidão ao seu gesto de prestatividade.

— Se tornou do meu interesse no momento que essa droga apareceu na minha vida e fez com que eu desse fim a uma pessoa inocente. Se tornou do meu interesse quando você apareceu na minha frente do nada lutando com outra mulher. A minha vida já é uma bela droga, e quer saber?! Fique com essa merda. Quem não interessa a nada e nem ninguém sou eu! Nunca quis acabar com a vida de ninguém — desabafou Seth perto de derramar algumas lágrimas. Sua reação não fez com que Luna ponderasse em seus dizeres.

— A história de vossa espécie já retrata sobre o quão falho tu és. Assim como Adão e Eva cometeram o pecado original ao desfrutar daquela maçã, a gênese de tua ruína foi usufruir daquilo que desconhece, afogado na própria tolice.

A apatia, velha companheira de Seth, novamente retornou para assombrá-lo, fazendo-o mudar seu semblante repentinamente, assim como seu tom de voz tornou-se perceptivelmente trêmulo.

— Não precisa falar desse jeito retardado. Não que você dê a mínima, mas a tal da minha "ruína" começou faz tempo. Eu não me importo com o que disse ou o que pretende fazer, faça como quiser.

As palavras ditas pelo jovem e a maneira como ecoaram  foram suficientes para desarmar o tratamento inimistoso da deusa. Os cerúleos olhos de Luna fitavam os castanhos escuros de Seth, que pareciam tão monocromáticos quanto seu estado de espírito. Segundos demorados se passaram na troca de olhares, até que Luna, agora em um olhar mais sereno, ergueu-se da cama, com leves dores predominando seus braços. Dores estas que não a impediu de envolvê-los no corpo do humano. Ela mesma não pensava na razão para tal atitude, preferia seguir seus instintos e princípios naquele momento. Tinha a sensação de que o olhar de Seth transportava-a para um escuro abismo sem fim. Ainda que definitivamente não se tratasse de uma boa sensação, aqueles olhos de certa forma manifestaram um inexplicável fascínio na deusa. Alguns fantasmas de seu pretérito vieram à tona por alguns instantes. Encerrado o abraço, Luna afastou-se gentilmente, enquanto o rapaz permaneceu no mesmo lugar, com uma chuva alagando as janelas de sua alma, esforçando-se para cessá-las. A loura mais uma vez direcionou sua visão à do jovem.

— Irás saber da verdade. Por qual nome atendes, humano?

— Seth.

— Tens um nome de lindo significado. Vidas não se entrelaçam por acaso, indubitavelmente — Um discreto sorriso estampou os lábios rosados da loura.

-X-

Luna havia contado tudo sobre os eventos que a trouxeram ao mundo humano. Seth escutava cada palavra boquiaberto, aquelas informações soavam demasiadamente surreais. No entanto, recordou-se no mesmo instante do poder daquele objeto e da pobre garota e seu cão que desvaneceram-se por causa do clique mortal.

— Ei... existe algum jeito de trazer de volta alguém que desapareceu por causa desse poder? — questionou Seth com uma expressão melancólica em seu rosto.

— Não, Seth. O indivíduo que for alvo de meu poder sequer existe, não terá direito de pertencer a nenhum plano.

Os pulmões do jovem rapaz esvaziaram-se com certo peso — não maior que seu sentimento de culpa e remorso. Luna percebeu e tomou a iniciativa de presenteá-lo com um conselho.

— Lamentar-se pelo passado é supérfluo, Seth. Diferenciar-te-ás com o aprendizado de teus próprios tropeços e te tornarás grande não pensando como aqueles que são pequenos e cegados por seu ego — concluiu Luna, enquanto olhava Seth, que permanecia cabisbaixo. Ambos resolvem sentar-se na cama.

— Nós temos sorte pelo fato de que meus pais ainda não chegaram — Seth mal pôde encerrar suas palavras e ruídos de passos intensos ecoaram por toda a casa. Evidentemente assustado, o rapaz apenas questionava o porquê de não ter sido capaz de escutar antes seus pais chegando. Também pensava, desordenadamente, em uma maneira de ocultar a deusa de Aegis. Luna continuava sentada, na plenitude de sua tranquilidade. Uma voz invadiu o quarto, sem qualquer cordialidade.

— Chegamos, filho!

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