Onde Tudo Começou

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Londres, Inglaterra, 18 de Setembro, 1928 - Ruas londrinas

   Somente com o coração repleto de ódio e tristeza, e um corte fundo no braço, o pequeno Peter Townshend, com seus míseros 13 anos, sai pelas ruas londrinas, completamente sem rumo, desorientado, tentando apagar da memória a imagem dos corpos de seus pais e seu irmão jogados sobre um amontoado de lixo que há menos de 5 horas atrás havia sido seu próprio lar...  

    Na verdade, Peter não sabe ao certo quantas horas fazem desde o ocorrido, afinal, o policial o havia feito desmaiar. Ele sente uma dor aguda no ombro. Ele havia tentado ignorar o fato e estar perdendo muito sangue, já que a dor de ter perdido a família parecia inúmeras vezes maior do que um corte em seu corpo... Mas ele acaba descobrindo que é meio difícil ignorar aquela dor mortal e aquele líquido vermelho que cobre todo o seu braço e ensopa toda sua roupa.

   A luz solar começa a aparecer por detrás dos prédios. Os olhos do menino ardem, devido as lágrimas que ele se recusou a guardar. Ao olhar para o horizonte, ele coloca a mão acima dos olhos para evitar que as poucas luzes solares o atrapalhem. Ele acaba batendo a mão em algo que até então ele havia se esquecido... A boina de seu pai, que cai de sua cabeça. Ele encara o tecido esfarrapado e furado, cinza, que já foi a peça de roupa favorita do pobre Sr. Townshend. Ele não consegue evitar e deixa mais lágrimas saírem de seus olhos. Ele chuta a boina com raiva e sai correndo, chorando, largando o objeto no chão. Mas, segundos depois, retorna, pega o acessório nas mãos, limpa a sujeira, limpa suas lágrimas e o coloca sobre a cabeça, orgulhoso.

-- Papai, você será vingado... -- Ele fala, amargurado, retornando a andar. -- Assim como a mamãe, o Paul e o bebê...

   Tentando evitar qualquer contato com qualquer outro ser humano, Peter anda pelos becos, com a mão sobre o corte fundo em seu braço, tentando evitar que mais sangue escape, já que, devido a perda deste, e à fome que está sentindo, o garoto começa a andar cambaleando, sentindo a cabeça rodar e a visão ficar cada vez mais turva. Em uma das curvas do beco, ele acha uma torneira. O garoto arranca a própria camiseta surrada e encharcada de sangue, se agacha na frente da torneira e gira a válvula, deixando a água escapar. Antes de tudo, ele limpa seu corte, arfando pela dor, e constata que aquilo está bem mais profundo do que parece. Em seguida, colocando a camiseta em baixo da água corrente, ele a lava, tentando tirar todos os resquícios de sangue, amarrando-a sobre o machucado, bem forte, logo depois. Então, ele usa as mãos em forma de conchas para pegar água e a joga no rosto, recuperando um pouco da lucidez... Repetindo as etapas anteriores, ele pega mais água e a bebe, como um louco, como se aquela água suja, saindo de uma torneira no meio de um beco, atrás de uma pequena casa, fosse afogar suas mágoas.

   Ele escuta um barulho vindo da distante entrada do beco, e uma sombra começa a se projetar. Ele fecha o registro da torneira e se levanta, atento.

-- Quem está aí? -- Ele escuta uma voz feminina muito rouca vir da sombra lá longe. -- Pare de roubar minha água! Eu sei que você está usando minha água! -- Ele constata que a voz é da dona da casa que possui a torneira. -- Saia já daí! Ou chamarei a polícia! -- Peter estremece ao ouvir a palavra "polícia". A mulher finalmente aparece... Com a cara rabugenta franzida, revelando ter mais ou menos 50 anos, os cabelos arrepiados com um bobs penando para permanecer no topo oleoso de sua cabeça. -- Garoto... Eu estou te vendo! Chispa já daí! 

   Sem pensar duas vezes, Peter sai correndo para o lado oposto ao que a mulher está, tropeçando em algumas latas de lixo. Ele corre até encontrar um outro beco. Quase desmaiando, ele se apoia no muro para retomar o fôlego, e nota que aquele beco, bem mais escondido que os demais becos que já esteve, possui uma porta bem lá no fundo... Na verdade, era mais como uma tábua de madeira do que uma porta propriamente dita...

Happy JackWhere stories live. Discover now