Ri

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Minha cabeça gira. A visão turva. O peito arde, eu sei que logo trarão os remédios.

O volume das vozes aumentam, e agora, depois de tantos anos em que elas me fazem companhia, é como se eu pudesse reconhecer cada uma.

A voz feminina me diz para correr, fugir, ir atrás dela. Como se eu pudesse sair, como se eu não tivesse tentado.

A masculina me diz o que eu fiz, repete para que eu nunca esqueça. Como se eu pudesse esquecer, como se eu não tivesse tentado.

E a terceira voz, de uma criança, me diz em sussurros roucos.

"Morra."

"Morra."

"Morra."

Como se eu não quisesse, como se eu não tivesse tentado.

E no meio de toda a bagunça, a visão dela me aparece, vestida de branco, os cabelos voando, a luz que sai dela mesma ilumina o quarto. Os olhos totalmente negros brilham e eu posso ver o fogo dentro deles.

Ela se aproxima como faz todos os dias, e antes que eu consiga toca-la, seu rosto muda de face, e já é outra pessoa que eu enxergo.

A senhora, com os cabelos grisalhos e a pele enrugada me encara começando a rir, e enquanto gargalha, seu rosto se transforma no rapaz que tão bem conheci. Ele também ri.

E de repente, não consigo identificar rosto nenhum, as faces mudam com tanta rapidez, os traços se misturam tanto até que eu veja, alí, o meu próprio rosto.

Ele me encara. Ainda rindo começa a se definhar, a pele descama, derrete, sangra, chora, ri...

A porta se abre e tudo se dissipa, novamente, meus remédios chegam bem na hora.

Da série: coisas que passam pela minha cabeça.

ContosWhere stories live. Discover now