Em desespero, Elise despertou em sua cama. Arfando como se tivesse finalizado uma maratona, ela estava encharcada de suor depois de mais uma noite sonhando com o fatídico dia de cinco anos atrás, quando perdeu toda a sua família. Seus olhos, como sempre, estavam igualmente marejados de lágrimas.
Eu deveria ir a um psicólogo, pensou, sem se dar conta de que não tinha dinheiro para tal.
Ainda deitada, Elise vislumbrou a foto sobre o criado mudo ao lado. Todos, exceto ela, morreram naquele terrível acidente automobilístico: seu pai, sua mãe e seu irmão mais novo, à época com apenas doze anos de idade. O maldito responsável pelo acidente foi inocentado, sob alegação de que o ocorrido foi uma "infelicidade".
Uma infelicidade criada por velocidade acima do permitido depois de cinco latas de cerveja, segundo seus péssimos advogados apuraram. Provas nunca encontradas.
Erguendo-se da cama e se livrando dos lençóis úmidos graças ao terrível pesadelo, Elise se pôs sentada sobre o colchão e ficou por alguns instantes olhando para o nada. Com alguma dificuldade, se levantou e caminhou para fora do quarto, rumo ao banheiro.
Essa... sou eu? Elise pensou ao se contemplar no espelho. Cinco anos mudaram a jovem, naquele momento com vinte e cinco de idade. Os cabelos negros estavam quebradiços, os olhos castanhos estavam adornados com imensas olheiras e seus lábios rachados de tão ressecados.
Desde quando fiquei tão descuidada? Fez uma pergunta para si, mas já sabia a resposta: desde o acidente, ela abandonou quase tudo.
- Elise! - uma voz nasalada soou do andar inferior da casa - Está atrasada!
- Ok, tia Mirtes! Estou indo.
Elise se arrumou ignorando a pressa que sua tia impunha e desceu para o café da manhã. A mesa dispunha de uma refeição simples para as duas moradoras da casa, com pães, margarina e café.
- Quanto tempo pretende ficar sem fazer nada? - Mirtes ralhou - Está trabalhando na minha loja do posto, mas poderia estar em um lugar muito melhor. Mas você...
- Por favor, tia! - Elise tentou interromper antes que aquele diálogo se tornasse insuportável - Vamos parar com esse assunto!
Mirtes deu um resmungo quase inaudível, e voltou a se concentrar no desjejum. Com uma pressa tardia, Elise, com o pão na boca, acenou para sua tia, se despedindo e saindo do velho sobrado, correndo rumo ao ponto de ônibus.
O bairro onde Elise e Mirtes viviam ficava em Rio Pequeno, na periferia da cidade, distante cerca de uma hora de ônibus do bairro da Luz, no centro, onde ficava o posto de combustível onde a loja que sua tia assumiu gastando o restante da pensão de seu falecido marido estava instalada. Elise pegou o veículo lotado, como geralmente ele ficava às segundas-feiras, e viajou em pé por todo o trajeto até desembarcar próximo ao local de trabalho.
- Bom dia, "Senhora do Caos"! - um sujeito na porta de uma loja no caminho a abordou.
Que mala... Esse sujeito por volta dos trinta anos de idade era um dos funcionários de uma loja de sapatos próxima e, coincidentemente, ex-colega de trabalho de Elise. O apelido pejorativo que ela recebeu veio depois de reagir à cantada de um cliente mais abusado, quando Elise literalmente instaurou o caos, fazendo um escândalo e quase agredindo o sujeito. Não à toa, ela foi demitida no dia seguinte. E não houve choro que demovesse seu patrão para que não a mandasse embora.
- Bom dia, Nivaldo - Elise lhe respondeu com um sorriso amarelo, e ele retribuiu com um aceno e outro sorriso, mas cínico.
Ao chegar no posto, seu colega do turno anterior, um rotundo e fora de forma jovem da mesma idade que ela, a aguardava do lado de fora da loja, com cara de poucos amigos.
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ELISE (amostra)
Science Fiction"Se você pudesse apagar qualquer elemento do seu passado, o que você apagaria?" Elise perdeu sua família e tudo o que possuía por causa de um acidente. Sua vida é triste, deprimente e sofrida, sem perspectivas. Até encontrar-se com Chron, que lhe of...