Butterfly

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- Talvez, e, sério, presta BASTANTE atenção no que eu vou falar agora porque é a coisa mais importante que já disse na minha vida. – ela pausa para efeito, respirando fundo e, com os olhos fechados, diz: - Talvez eu só precise assistir O Agente da U.N.C.L.E. todos os dias e, BOOM, o ano vai ficar ótimo e maravilhoso. Fim.

A amiga suspira. As duas mulheres se encontram esparramadas no chão da sala do apartamento que dividem, o tapete abastado de todo o tipo de porcaria comestível possível. A televisão exibe algum MV do Twice, música chiclete dominando o cômodo de forma que o bom humor do momento se tornasse contagiante.

- Você literalmente assistiu O Agente da U.N.C.L.E. todos os dias da semana passada, Julie. – diz Amy rolando os olhos e esticando-se no meio da bagunça de pacotes vazios e embalagens de bala para pegar o balde de pipoca. A voz de quem está fazendo esforço transparece ao falar: – Você precisa de algo melhor que isso.

- Exatamente, e eu me sinto fantástica. – responde sorrindo, apontando para si mesma. – Essa é a expressão de quem veio, fez e venceu, minha cara.

- É veio, viu e venceu. – Amy corrige por puro hábito. - Julie... – começa.

- O que? – Julie diz ao voltar seus olhos para a televisão, ignorando o óbvio julgamento da ruiva.

- Você disse que ia ler o diário. Esse era o trato, lembra?

- Ou, melhor, a gente ignora o diário e continua aproveitando o dia com k-pop e calorias, que tal? – Para alguém de fora, o rosto da morena parece pleno, até feliz. Mas alguém tão próxima como Amy consegue captar a verdade por trás daqueles olhos castanhos, e a dor escondida neles. Julie sabe que está prestes a ser descoberta, e por isso evita retornar o olhar da amiga.

Amy suspira. Mastiga a pipoca, ponderando. Sabe das tendências de Julie, compreende muito bem a mania que a moça tem de mergulhar em qualquer outra coisa para esquecer seus problemas. Amy tentava entender que nem todo mundo enfrentava a vida da mesma forma, e não tinha nada de errado em precisar se distrair de vez em quando. Entretanto, distrações se transformam em negações. E, pelo jeito, Julie era a presidente do clube Denial*.

Quanto tempo mais poderia Julie correr de seus medos e receios? Um ano? Dez? Seria ela capaz de viver para sempre fingindo que nenhuma de suas ações ou inações tivesse consequências? E, mais importante, deveria ela manter essa atitude acerca de sua existência até o fim ou era hora de mudar o jogo?

As perguntas pairam no ar entre elas. Não como uma nuvem, mas como uma borboleta que tinha todas as respostas em suas asas e recompensaria quem a devolvesse para o ar livre; alguém só precisava vê-la, mencionar sua presença e libertá-la.

Amy levanta, resolução carregando seus passos barulhentos ao entrar no quarto que as duas dividem. Os olhos de Julie se arregalam ao ouvir gavetas abrindo e papéis sendo bagunçados, os sons que significavam uma coisa apenas: aquele maldito diário seria encontrado e ela estava extremamente ferrada.

Julie não ousa levantar. Já não enxerga qualquer coisa além de borrões coloridos que se moviem na TV, seus ouvidos deixando de aproveitar a música suave para avisá-la do quão alto e rápido seu coração bate. Seu estômago começa a embrulhar, a sensação de querer colocar a comida para fora se fazendo presente, e a moça sabe muito bem que não é pela quantidade de gordura ingerida naquele dia. As lágrimas embaçam ainda mais sua visão, e ela mal consegue engolir o que mastigava. Sente que as tremedeiras devem chegar logo em seguida, mas não pode fazer nada. Está ferrada, paralisada, impossibilitada de agir; era assim que se sentia com a maioria das coisas, na verdade, apesar de só agora ser de forma literal.

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