Marasis

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SÓ EM VOLTAR pra casa eu já pude sentir aquele peso de bairro sem vida, a saudade e o medo expeliam no ar tanto quanto o calor vindo do asfalto. Difícil mesmo foi passar pela 17 e lembrar o perfume das rosas e sorvete, ainda mais durante o dia. Eu estive em um loop de querer e sentir por ter que reviver essas memórias. Nos últimos dias eu sei que fui forte e fiz por ela. Ficarei limpa. No final esses raios de luz vão sempre me lembrar daquele cabelo escuro furta cor, realmente há luz em tudo.

RETORNAR AGORA significava bem mais do que alguns km percorridos, bem mais que lembranças, e certamente eu não chamaria isso de recomeço, bem.. naquela manhã em particular eu estava buscando um.
South lion é aquele típico modelo clichê de colégio: você não gosta em quanto pertence, mas espera jamais deixar de pertencer. É um presente seguro. Não tinha exatamente grandes luxos e um nome reconhecido, mas sua importância na formação passada de família para família era bem comum em um bairro pequeno como este.
Horas depois de um ônibus lotado de manhã, lá estava eu, andando por aqueles corredores. Parecia que quanto mais os anos passavam, menor aquele hall de entrada ficava, barulhento demais ele sempre foi. Apesar dos muitos novatos eu podia reconhecer um rosto familiar a kms de distância e ao fazer isso eu logo me dirigi a sala em que deveria ficar naquele dia. Até aquele momento, as mesmas pessoas de sempre, nenhuma novidade. Notei que cheguei em cima da hora porque pouco depois de me sentar o sinal tocou, trazendo a srta. Rachael à nossa sala que repetia as mesmas palavras de todos os anos anteriores, dando boas vindas e falando sobre o nosso programa especial do último ano letivo que se resumia basicamente à algumas aulas extras, a coisa toda não prendeu muito a minha atenção.
O segundo toque foi seguido de uma mensagem pedindo que os alunos se direcionassem à quadra para conhecer os professores e suas turmas em cada matéria, eu notei uma figura de voz suave se aproximando quando já estava de pé fechando o zíper da bolsa.
- Anne?
Falou colocando a mão em meu ombro
- Ahn? Oi?
- Ah, meu Deus! Como você mudou, eu mal te reconheci. Ah, mil desculpas, eu sou a Ava do acampamento de verão, talvez não esteja acostumada a me ver sem as tranças e o bronzeado.
- Ah, sim, claro! Eu não a vi antes, você chegou agora?
- Bem, na verdade eu estava antes de você chegar, mas não sabia se era uma boa hora pra ir falar com você, então resolvi esperar que ficassem poucas pessoas em volta, sabe como eu sou.. odeio lotações.
- Sim, eu lembro bem disso, onde você estava esse tempo todo?
- Ahm, no fundo. Mas tudo bem, vou ter tempo pra me acostumar.
Respondeu com um gentil sinal para que andássemos juntas.
- Então, como você veio parar na cidade?
- Os meus pais se divorciaram e eu fiquei com o meu pai, era isso ou viver no gelo e tentar decorar os nomes dos namorados semanais que a minha mãe estava arranjando para superar.
- Entendo.
- Então, como anda a sua família?
- Bem, estão todos bem.
Disparei sem pensar.
- Agora que estou aqui, eu poderia finalmente conhecer a sua tia e pedir que me contasse as suas histórias pessoalmente. Acho que você não aguenta mais ser o intermédio dessas aventuras.
Disse sentando-se ao meu lado na primeira arquibancada da quadra, olhei-a e vi o exato momento em que meu silêncio lhe trouxe clareza.
- Ah, meu Deus, Anne. Eu sinto tanto
- Não tem que sentir nada.
Inutilmente dito, e atrasado, com relação ao abraço apertado que logo recebi.
Por um tempo, fez-se um silêncio, bem, ensurdecedor.
- Quanto tempo tem?
- Um mês.
- ...
Pensei em fingir bem estar para conforta-la, mas que justiça teria disso? Dei-lhe então apenas as respostas que me pedisse. Aceitei, pela primeira vez, priorizar mina estabilidade.

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⏰ Last updated: Mar 03, 2018 ⏰

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